Subindo A Linha

Em defesa do drible

Anúncios

Vinicius Prado Januzzi

Já haviam se passado 42 minutos do segundo tempo. Decorridos 87 minutos do tempo regulamentar. Faltavam três minutos e uns quebrados para o fim da partida.  O placar: 3×1 para o Barcelona contra o Athletic Bilbao. A final da Copa do Rei, disputada no Camp Nou, estava decidida a essa altura, mas Neymar não se conteve. Estava à beira do seu campo de ataque, de frente para o zagueiro Bustinza, quando decidiu aplicar uma carretilha, uma lambreta em seu adversário. Foi interrompido com falta e o jogo parou por conta das reações dos jogadores do time basco.

Muitos o atacaram, alguns poucos o defenderam. Jogo nesse segundo time. Não sou nada habilidoso e com certeza me irritaria profundamente com o drible de Neymar. Ficaria enfurecido e dificilmente não tentaria pará-lo com falta. Outros tantos fariam o mesmo e nem precisam ser tão grossos ou peladeiros como eu. Neymar viu uma possível jogada, foi e driblou. Aplicou um chapéu em seu adversário. Lance lindo, genial, brilhante, de quem sabe e pode fazer. Estava no fim do jogo? A partida não ia tomar novos rumos? O título já não poderia sair das mãos barcelonesas? Sim para todas as questões. Que isso importa?

Luis Henrique, técnico do Barcelona, pediu desculpas pelo ocorrido, tentando justificá-lo com a afirmação de que isso é comum no Brasil e não na Espanha. Piqué aconselhou o garoto a se conter. Iraola, capitão do Athletic Bilbao e opôs furiosamente a atitude e disse que Neymar precisa aprender com seus companheiros de time certas coisas. Acabou ainda cometendo, espero, um deslize ao dizer que “eles são assim mesmo”. Eles quem mesmo?

Podemos argumentar que a jogada não objetivava o gol nem um passe ao adversário. A carretilha foi executada só para humilhar mesmo, para chutar, ou chapelar, cachorro morto. Alguns disseram que outros dribladores inesquecíveis como Garrincha, Ronaldinho Gaúcho e Marta sempre que driblaram em suas carreiras fizeram isso com o intuito claro de vencer as partidas. Na saúde ou na doença, nas derrotas ou nas vitórias, driblavam. Não só quando tudo fica mais fácil. É um argumento possível? Sim. É preciso considerá-lo? Parcialmente.

Neymar, de fato, faz mais jogadas de efeito, dribla mais, diverte-se mais quando as coisas estão liquidadas, quando os jogos estão decididos. Fica mais fácil? Com certeza. Agora, o zagueirão que dá chutão (bola pro mato que o jogo é de campeonato) ou o time que fica segurando a bola em movimento retilíneo uniforme são bem menos questionados. E entre essas três possibilidades, a de Neymar é ainda mais brilhante. Quem a executa, mostra habilidade, talento, leitura do jogo e capacidade de provocação. É uma vaidade, diria eu, que encanta a quem vê. “Vejam só o Messi, igualmente talentoso, mas sempre em direção ao gol e respeitoso”. Ótimo. É por isso que ambos são diferentemente brilhantes (claro que Messi é absoluto nessa e em qualquer comparação).

Não estou afirmando que o gol é um detalhe, longe disso, mas julgar uma jogada por sua objetividade em relação ao placar e ao rumo das redes é meio inoportuno. Em se considerando o contexto de nosso futebol, criticar o comportamento de Neymar em campo é uma afronta hiperbólica. Onde estão nossos craques, nossos times brilhantes, onde está nosso futebol, dona Lúcia? Pois bem, se está em algum lugar e é representado por alguém, é de Neymar que devemos falar, o atacante do Barcelona. Neymar das carretilhas, dos chapéus, das canetas, dos gols, das provocações. Como diria o vascaíno Drummond de Andrade: Vai, Neymar, ser dibrador nessa vida.

Anúncios

Anúncios