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GRITA TORCEDOR: Malandragem, dá um tempo

André Porto

O tempo pode passar à vontade, mas enquanto crianças nascerem, crianças terão um templo sagrado para suas brincadeiras: a rua.

Tecnologias e Playstations à parte, do portão de casa para fora, as brincadeiras mantêm suas regras e todo o seu ritual. Tão normal quanto jogar bete, bola ou bolinha de gude é a vontade de ganhar e ser o dono da rua. Da mesma forma, o respeito por quem está ali com você também persiste, principalmente naquele momento em que a mãe chamou para tomar banho, para jantar ou porque o dedão do pé não está mais aguentando o ritmo.
Independentemente do motivo, é o momento que se precisa “pedir altas”. Todos os outros participantes daquele espetáculo das ruas estão de acordo, sabendo que o jogo voltará em breve e a vida seguirá tranquilamente.

Não posso garantir, mas desconfio que o Fair Play, tão falado ultimamente pela imprensa esportiva, teve origem em alguma rua por aí, com golzinhos feitos de chinelo. Não há gesto mais nobre durante uma partida de futebol do que se abrir mão de uma posse de bola em virtude do bem-estar físico do adversário. Lesionou, pediu altas, bola para fora.

O problema é que isso não é uma regra. E nem precisou ser para ter exceções. Sendo um simples acordo de bom convívio entre os jogadores, o Fair Play entraria em campo sempre com uma justa causa. Seria assim, mas não é, muito por causa da malandragem boleira, que atualmente está mais presente nas nossas arenas futebolísticas que capuccinos. Todos ali sabem que ainda não é exigido um diploma de medicina para estar em um estádio. Forjar uma contusão quando se convém é burlar o Fair Play. É um recurso (desonesto) para fazer o ponteiro do relógio correr mais rápido e a vitória do seu time não fugir pelas mãos. Mas acaba sendo também o reflexo da mediocridade que insiste em aparecer no futebol, revelando cada vez mais a cultura do um a zero.

Infelizmente, o jogo bem jogado acaba valendo menos que 3 pontos, e por isso, perde a prioridade. A desconfiança reina onde os diagnósticos não estão. O juiz é dono da ordem, mas não pode querer ser doutor e interferir no prosseguimento da partida, se a bola está em jogo.

Indo mais a fundo, é um reflexo até da hipocrisia da sociedade que exige honestidade de todos, enquanto fura fila no supermercado. A devolução da bola ao adversário vem sempre acompanhada de um asterisco, que representa a situação de vitória ou derrota do seu time naquele momento do jogo. Algo que nasceu nobre acaba banal nas mãos dos malandros.

No último domingo, no Maracanã, tivemos um exemplo do dilema que o Fair Play acaba causando. Já no fim da partida, Élber, do Sport, vai ao chão sentindo muito, enquanto a bola está em jogo e, logo na sequência, nas mãos do goleiro pernambucano. Vendo seu companheiro estirado no gramado e sentindo dores dignas de um parto, o goleiro pernambucano põe a bola para fora e coloca o Flamengo na posição de decidir se segue ou não o Fair Play. Simultaneamente à viagem da bola para fora das 4 linhas, Élber se levanta, pronto para defender o 2×1 que o gol dele tinha colocado no placar, favorecendo o Sport. Ao cobrar o lateral, os flamenguistas acabam não se abalando por estarem presentes in loco a um milagre da medicina, não devolvem a bola e vão em busca do gol de empate, que logo aparece. O apito final decretou o 2×2 e a certeza por parte do Sport de que o juiz e o mau-caratismo carioca tinham sido os responsáveis pela perda de 2 pontos.

O fato é que nunca saberemos a veracidade das câimbras. E mais: o goleiro do Sport colocaria a bola para fora, caso estivessem perdendo? Élber sentiria câimbras, caso o placar não fosse favorável a eles? Teremos que exigir habilidades médicas de cada um dos 22 que entram em campo? Ou só a percepção de que um gesto tão humano com os companheiros de profissão merece um pouco mais de respeito é suficiente?

Uma discussão que não tem certos nem errados, e muito menos um fim em curto prazo. Enquanto isso, veremos lesões gravíssimas a todo instante, com uma dor mais forte que choque de pilha, fazendo de uma partida de futebol um palco de teatro recheado de atuações magníficas e muita malandragem.

Rivaldo aprendendo com o Edmundo, na final da Copa de 98, que o Fair Play tem seus momentos

Na Holanda, o Fair Play fez um golaço

GRITA TORCEDOR – Uma paixão: o futebol

Vinicius Prado Januzzi

Há muitas maneiras de se ver o futebol.

Podemos vê-lo a partir da lógica do mercado, como mais um dos esportes integrados à economia mundial capitalista e predatória. É o futebol de elite, dos milhões e bilhões, dos supercontratos, dos jogadores estrelares, galácticos; futebol pomposo, por assim dizer. Ainda nesse viés, podemos ver o outro lado da moeda, na qual estão os pequenos clubes, os jogadores amadores, os estádios vazios e calendários um tanto quanto esdrúxulos.

Pode-se ver o futebol do ponto de vista do planejamento. Falamos aí novamente de calendário e também de dívida dos clubes, de gestão, de marketing, de venda de naming rights e camarotes, de programação a longo prazo. Entram aqui a preparação ou não do departamento médico, o time que pode ou não se pagar, o estágio que não se financia sozinho e a sonegação de impostos.

Futebol também pode ser coisa de elite. “Futebol coxinha”, daquele que nos arrepia de medo. “Senta!” é o que se ouve em muitas arenas (nome bonito para estádio que quer ser coxinhoso). Aí já não se podem mais bandeirões, sinalizadores, não se paga menos de 50 reais para ver uma partida, não se compra uma camisa oficial por menos de 150. É o futebol do silêncio e do público comportado, que sabe ser ordeiro e não se comporta como um selvagem. Alguém sabe por que ainda usamos essa palavra?

Há também a imprensa. A velha e malfadada imprensa. Multifacetada, é claro, mas em geral atravessada por comentaristas prontos a nos jogar em transmissões e mesas-redondas o quanto precisamos nos modernizar, que está mais do que na hora de “dar um jeito” nas torcidas organizadas, que talvez não haja muito que fazer a não ser termos torcidas únicas em nossos estádios, ops, arenas. “A Copa passou pelo Brasil e não deixou nada de moderno?” Essa, obviamente, é a face corneteira da mídia, composta que é por muitos e muitas que pouco frequentaram jogos ao vivo, pouco viveram as arquibancadas e, logo, foram bem menos felizes em suas vidas.

Como disse, há muitas maneiras de ver o futebol. As que mencionei acima estão no fim das contas mais ou menos imbricadas. Estão como que conectadas a uma narrativa monótona em torno de padrões FIFA, comportamentos modernos e arenas multifuncionais e confortáveis. Essa é, por assim dizer, a narrativa a qual não quero subscrever. Nem a maioria dos que conheço e que, de fato, amam o futebol.

Pois se há um modo de ver esse esporte mágico em toda sua completude e eternidade é senti-lo. Admirá-lo e contemplá-lo por como é apaixonante. Aqui estamos diante de gols inesquecíveis, jogadas memoráveis, ídolos eternos, times péssimos que ganharam partidas e campeonatos na raça e no sangue. Ficamos, então sem voz, totalmente arrepiados, angustiados, prontos para soltar o grito de nossas torcidas com o máximo de força que pudermos. Lembrem-se de um só momento, entre muitos, em que se emocionaram ao ver uma partida de seus times. Bastam poucos segundos para que aquela jogada, aquele título, aquele passe, aquela defesa se tornem vivos em nossas mentes e daí a nosso corpo ficar todo eletrizado é um pulo.

Esse é o futebol. Em sua essência e no que o torna único. Certamente, outros esportes, outras atividades, outros gostos proporcionam experiências similares. Quem sabe? Talvez o futebol seja algo entre muitas outras coisas; uma paixão em meio de muitas outras. Talvez. Ainda assim, não é dessa forma que o sinto. Que vivo o futebol. Futebol dos sorrisos, choros, pontapés e desesperos. Futebol que emociona, decepciona e contagia, O futebol é mágico, sabe-se lá o porquê, e não há nada melhor do que ouvir sua torcida empurrar o time. Nada melhor do que ouvir o apito inicial e saber que, lá no fundo, vamos lá de novo, porque estou vivo. Vivo de futebol.