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A Semana do Preconceito

Semana de clássicos estaduais se aproximando, ingresso na mão, expectativa alta e… BICHA! PUTA! Assim podemos resumir o que foram os dias 8/03, Dia Internacional da Mulher, e 11/03 de 2018 no futebol.

Primeiramente, no clássico paulista, Palmeiras e São Paulo se enfrentavam no Allianz Parque. Nada de novo, bicha pra cá, Bambi pra lá. O que surpreendeu foi a atitude de William de Lucca e, principalmente, a repercussão dela.

William, homossexual e palmeirense, não necessariamente nesta ordem, estava na arquibancada palestrina quando, novamente, se depara com xingamentos homofóbicos ao rival. Indignado, provoca no Twitter, dizendo que também há viados palmeirenses, como ele.

O que se viu após isto foi uma enxurrada de matérias nos principais veículos nacionais e tão logo iniciou-se o ritual odioso da internet. William foi atacado de diversas formas, inclusive em uma matéria deplorável de Cosme Rímoli, da Record, que em uma tentativa de confrontar material jornalístico da Globo, “desmascarou” William com xingamentos homofóbicos por parte deste em sua conta no Twitter.

Só esqueceu de um detalhe, as publicações de William foram em 2010. 8 anos se passaram, o palestrino amadureceu e entrou na causa LGBT, lutando exatamente contra o que pronunciara.

Por fim, no domingo, Grenal no Beira-Rio. Primeiro, uma repórter é chamada de puta por um colorado por aparentemente ser gremista. A repórter saca seu celular e filma o agressor, pedindo para ele repetir o xingamento. Eis que o troglodita a agride fisicamente.

Ainda neste jogo, um grupo de mulheres, gremistas, que assistiam ao clássico em camarote no estádio são surpreendidas por um homem que, por mais de um minuto, as provoca com simulações de sexo oral.

Na semana do Dia Internacional da Mulher, casos de violência, abuso, desrespeito ocorrem contra elas. A internet busca defender os homens e os clubes ao passo que as discussões se tornam coadjuvantes do clubismo.

Os comportamentos se repetem torcida a torcida. Não se trata de clube, se trata de cidadãos. Seguimos imbecis.

José Eduardo

Por um futebol com mais estádios lotados

A elitização dos estádios brasileiros é inegável. Os grandes estádios, principalmente após a Copa do Mundo de 2014, se modernizaram e o preço dos ingressos subiu consideravelmente. Junto a isso, os times brasileiros passaram a apostar de vez nos sócios-torcedores.

Mas ser sócio não significa que os preços dos ingressos passam a ser exatamente acessíveis. Muitas categorias são de pagar uma mensalidade e ainda precisar comprar um ingresso, ainda que com desconto. No final, o dinheiro acaba pesando, sim.

Precisamos de medidas que tragam as camadas populares para os estádios de novo, mas o futuro parece não se caminhar para isso. Não é raro vermos torcedores comemorando mais uma renda alta do que um estádio lotado e debochando de times que fazem promoções de ingresso para ter mais público. E daí se fazem promoções? Não é demérito nenhum colocar à venda ingressos a preços mais baratos.

Não me leve a mal: o futebol, apesar de toda a sua história e tudo o que o cerca, é um negócio e os clubes precisam de dinheiro para se sustentar. Mas é melhor ter uma renda X com 50.000 torcedores no estádio do que arrecadar a mesma quantia com 15.000, certo?

O Cruzeiro está fazendo, desde o início da temporada, promoções para os jogos do Campeonato Mineiro. Na estreia do clube na temporada, mais de 42 mil torcedores foram prestigiar a partida contra o Tupi. Diante do América, foram mais de 50 mil no Mineirão. O sócio que comprasse ingresso poderia levar convidados de graça para assistir às partidas. É uma medida que privilegia apenas quem é sócio, mas já é um começo.

O São Paulo, na luta contra o rebaixamento em 2017, também lotou o Morumbi em várias partidas com ingressos a preços populares. O Atlético Mineiro também já fez ações interessantes no sentido. O Grêmio tirou as cadeiras que ficariam atrás dos gols na Arena para caber mais gente e manter a cultura da Geral. Exemplos não faltam.

Em meio a essa elitização dos estádios e com o fim das gerais, o preço do pay-per-view diminuiu e a tendência é o rico ir aos estádios e o pobre assistir aos jogos sentado no sofá de casa ou na cadeira de um bar. O documentário “Geraldinos”, de 2015, ilustra bem essa nova realidade.

Mas essa realidade é o que devemos combater. Acredito que não faltem mecanismos ou possibilidades para os clubes oferecerem ingressos mais baratos. O que acontece é que o lucro acaba falando mais alto, mas há de se encontrar um equilíbrio.

O futebol no Brasil se desenvolveu como um espaço democrático que unia todas as classes, cores e credos. Não eram baratos todos os ingressos, mas eles ainda estavam lá. Quem apoiou os clubes desde o início foi a classe trabalhadora. E o estádio de futebol deve ser ocupado pelos torcedores – de todos os tipos – pois sem eles, um time não é nada.

 

João Miguel

Em defesa de Juan Carlos Osório

Por Vinicius Prado Januzzi

 

Dia 06 de junho de 2015: estreia de Juan Carlos Osório como treinador do São Paulo. Contra o Grêmio, no Morumbi, 2 a 0 para os donos da casa, com gols de Luis Fabiano e Rogério Ceni.

Dia 23 de agosto de 2015: no Maracanã, derrota para o Flamengo, por 2 a 1. Pelo lado rubro-negro, Guerrero e Ederson. Pelo tricolor paulista, gol do zagueiro Luiz Eduardo, que subiu mais que taxa Selic e mandou a bola para o fundo da rede adversária.

Entre esses dois jogos, pouco mais de 11 semanas; para ser mais preciso, 78 dias. O técnico colombiano, que chegou com pompa à Barra Funda, hoje está entre a cruz e a espada. Osório fica ou não fica? É bom ou não? É apegado aos seus valores e pouco flexível ao futebol brasileiro?

Nesse meio tempo, o técnico teve tanto desmanchados tanto o time quanto a moral que tinha junto aos dirigentes. Culpa de quem? Deles próprios.

Quando o treinador foi contratado, após boa e segura passagem pelo Atlético Nacional-COL, a diretoria investiu em trabalho de longo prazo e apostou na ofensividade e criatividade de Osório. As cabeças pensantes do São Paulo prometeram que não iriam vender peças-chave do elenco e que o apoiariam ao longo das competições as quais viria disputar. Nem um, nem outro.

Que a situação financeira do clube não é das melhores, compreende-se. Que, a curto prazo, vender jogadores é necessário para equilibrar finanças mal planejadas e mal geridas, compreende-se. Que, diante de resultados negativos, o (bom) técnico balance…é incompreensível.

Juan Carlos Osório é profundo conhecedor de futebol, como há tempos não se via no Brasil (sua entrevista no Programa Bola da Vez, do canal ESPN, é não menos que brilhante). Sabe como armar, incentivar e aprimorar times. Já mostrou isso. Inúmeras vezes.

Pode ser que não consiga repetir isso no São Paulo. Não será culpa sua.

A mim parece que, felizmente, há uma coisa que Osório desconhece entre as muitas coisas que sabe. O técnico colombiano não partilha da lógica do é-melhor-não-perder-do-que-ganhar, tão bem conhecida pelos torcedores e dirigentes brasileiros. Nesse momento crítico do São Paulo, o técnico bem poderia fechar seu time, apostar em bolas aéreas, em ferrolhos defensivos e em jogadas baseadas no contato bruto e simples.

Em defesa de Juan Carlos Osório e contra o modelo hegemônico de administração dos clubes de futebol no Brasil, que não o faça.

 

Para ler mais:

http://espn.uol.com.br/videos/programas/boladavez

http://esportefinal.cartacapital.com.br/juan-carlos-osorio-sao-paulo/

10 anos do Tri: lembranças de um pivete de 11 anos.

Por Rafael Montenegro

Eu era um pivete estranho. Não jogava bola no intervalo e ironizava 22 marmanjos correrem atrás de uma bola. Não gostava do futebol até ver aquela genial Seleção (RIP) de 2002. Aí também é covardia: não tinha como não se encantar assistindo um time que reunia Marcos; Roque Júnior, Lúcio e Edmilson; Cafu, Gilberto Silva, Ronaldinho Gaúcho, Kléberson e Roberto Carlos; Rivaldo e Ronaldo. Aos oito anos, me apaixonei pelo futebol.

Por influência do meu irmão, virei São-Paulino. Era uma fase não tão gloriosa assim: depois da irretocável primeira metade da década de 90, o jejum durou do Paulista de Denilson e Raí em 98 até o Rio-São Paulo de Cacá e França em 2001. Lembro bem das duas derrotas 3×2 nas finais do Paulista de 2003.

Lembro bem de 2004, quando cheguei com o jornal no colégio impressionado com o fato de Serginho ter morrido no Morumbi. A volta do São Paulo à Libertadores depois de dez anos me ensinou o que é o futebol. Nas oitavas, contra o Rosário Central, o jogo teve roteiro minuciosamente escrito pelos melhores roteiristas dentre os Deuses do Futebol. Ainda nesse ano, a virada contra o Palmeiras, com gol de Cicinho aos 48 depois de 3 rebotes me mostrou como se comemora uma vitória suada em clássico.

Aí veio 2005 e a Libertadores que culminou no que aconteceu há exatos dez anos. Naquele 14 de julho de 2005, o São Paulo derrotou o Atlético-PR e se sagrou tricampeão da América. Minha mente de apenas onze anos não conseguia conceber o quanto aquele momento foi importante. Conseguiu apenas celebrar como nunca e como nunca mais.

Um título que coroou ídolos em todas as posições. O goleiro-artilheiro que ainda não tinha derrubado todos os recordes possíveis. Lugano, o baluarte da raça, exaltado até hoje por não aceitar perder uma bola. Aquela zaga ainda contava com Fabão, Edcarlos e Alex Bruno. Nas laterais, o jovem Cicinho e o pentacampeão Júnior. A dupla de volantes mais entrosada que eu já vi, Mineiro e Josué. Danilo, o morto muito louco. Luizão, Amoroso, Tardelli e Grafite no ataque. E pensar que o ídolo do futsal ainda integrou o elenco no começo da temporada, mas não teve espaço no time sob o comando de Emerson Leão.

Toda a competição foi uma escola de como funciona o futebol. O São Paulo terminou invicto em um grupo que reunia a essência do futebol na América: o time boliviano da altitude (The Strongest), o time argentino que abusava da catimba (Quilmes do zagueiro Desábato, preso em São Paulo após chamar Grafite de macaco) e o time chileno chato (Universidad de Chile).

Nas oitavas, um clássico. Contra o Palmeiras, Cicinho fez um golaço de canhota no jogo de ida, no Parque Antártica, que ainda não era uma arena. Na volta, Rogério marcou o primeiro de pênalti contra outro grande ídolo das metas, São Marcos. No finzinho do jogo, Cicinho fez mais um. Percebeu que os palmeirenses não armaram barreira para uma cobrança de falta de muito (muito) longe e acertou a bola no canto esquerdo de Marcos.

Nas quartas, os mexicanos do Tigres. O jogo de ida foi o suprassumo do melhor ano da carreira de Rogério Ceni. 2005 foi a temporada em que mais marcou gols: 21, sendo 5 só na Libertadores. No Morumbi, o goleiro-artilheiro cobrou duas faltas com perfeição e fez metade dos gols da goleada Tricolor. O árbitro ainda marcou um pênalti para o São Paulo, mas Rogério isolou e perdeu a chance de ser o primeiro goleiro da história a fazer um hat-trick. Na volta, com a classificação encaminhada, o Tricolor perdeu por 2×1 e viu ir embora a chance de um título invicto. Que tragédia…

O chaveamento proporcionou um duelo de titãs nas semi-finais: São Paulo e River Plate. Dois bicampeões coperos y peleadores. Aquele time do River tinha Lucho Gonzáles, Marcelo Gallardo, Javier Mascherano e Marcelo Salas. Na ida no Morumbi, Rogério marcou de pênalti e ZiDanilo acertou um lindo de chuta de fora da área que deixou argentinos caídos pelo caminho. Na volta, Danilo fez o primeiro de cabeça após cobrança de escanteio. O River empatou. Fabão fez o segundo em chute forte e mascado de fora da área. E Amoroso, que estreava naquela partida, preenchendo a vaga deixada pela contusão de Grafite, completou cruzamento de Júnior e fez o terceiro, dando ao São Paulo sua primeira vitória em território argentino e o passe para a decisão da maior competição do continente.

Pela primeira vez na história, a final da Libertadores seria disputada por dois times do mesmo país. O São Paulo iria enfrentar o Atlético-PR, então vice-campeão brasileiro. Em uma polêmica que eu não entendi direito na época, o Furacão foi impedido de jogar na Arena da Baixada (onde o São Paulo nunca venceu), que não comportava os 40 mil torcedores como exigia o regulamento. O Atlético teve que levar o jogo para o Beira-Rio, em Porto Alegre, o que até hoje é motivo de reclamação. Lembro que não estava em casa quando o jogo começou: estava comprando a camisa preta, com um gigante RC na frente e o número 1 nas costas, imortalizadas em todas as fotos que mostram Rogério levantando a taça. Lembro de ouvir pelo rádio o gol de Aloísio e toda a aflição que uma narração pelo rádio causa. Lembro de comemorar em casa o gol de empate, marcado por Durval, contra.

E então, naquele 14 de julho, exatos 10 anos atrás, eu vivi uma noite insuperável. Lembro que era uma quinta-feira, e não a tradicional quarta do futebol. Lembro da disposição dos móveis na sala, dos três amigos do meu irmão que foram assistir o jogo lá em casa e da disposição de todas as pessoas pelos móveis da sala.

Lembro da tensão que me acompanhou durante todo o dia e que começou a se dissipar quando eu vi os mais de 70 mil torcedores receberem o time com o hino, sinalizadores, muita luz e muita fumaça. E lembro de sentir a tensão dar lugar à alegria quando Luizão deu o passe de calcanhar para Danilo na ponta da área. Danilo chuta de primeira com a perna direita e o goleiro dá rebote. O mesmo Danilo divide com o goleiro e outros dois adversários e a bola sobra para Amoroso, tranquilo, desviar do zagueiro e fazer tremer o gigante de concreto. Lembro bem da comemoração de Amoroso, segurando o escudo da camisa e bradando com saudosa raça: “aqui é São Paulo, porra!”

Mas a tensão voltou: no fim do primeiro tempo, pênalti para o Atlético. O mesmo Aloísio Chulapa que fez gol no jogo de ida e seria um ídolo no Tricolor nos anos seguintes caiu na área. Fabrício cobrou. Aqueles segundos em que a bola viajou foram eternos. Rogério voou no canto certo. Deu a entender que defenderia. Por um instante a bola passa por ele e carimba violentamente a trave. Treme pela segunda vez o Morumbi.

Aos 7 do segundo tempo, Cicinho, que fez uma temporada tão maravilhosa que foi contratado pelo Real Madrid, cobrou o escanteio na cabeça do Fabão. O camisa 3, da marca do pênalti, testou com precisão cirúrgica e colocou a bola no ângulo, acima do alcance do zagueiro que cobria a trava. Pela terceira vez, o Cícero Pompeu de Toledo treme, vibra e canta.

Aos 26, Amoroso encara o zagueiro pela direita, perto da área. Puxa a bola para o meio, para perto do zagueiro, que dá o bote. Mais rápido que o bote, Amoroso puxa a bola para a direita, deixa o zagueiro na saudade e entra na área; levanta a cabeça, vê seu companheiro de base no Guarani Luizão livre e faz um cruzamento na medida. O goleiro voa e não acha nada. Luizão empurra pra dentro com tranquilidade, leva os torcedores aos céus e vai às lágrimas. Aos 44 do segundo, ainda teve tempo para aquele garoto estranho vindo da base, de apenas 19 anos, fazer o seu e escrever pela primeira vez (haveria uma outra) seu nome na história da Libertadores da América. Depois de boa jogada de Mineiro, Diego Tardelli domina na entrada da área, corta o zagueiro e bate seco, firme no canto. 4×0.

O jogo terminou e a euforia se estendia aos quase 20 milhões de são-paulinos espalhados pelo Brasil e pelo mundo. O mesmo São Paulo que mudou o olhar do futebol brasileiro com a Libertadores em 92 e 93 voltava a levantar o segundo troféu mais bonito do futebol – atrás da Copa do Mundo. Hoje me impressiona a eficiência defensiva e a qualidade ofensiva daquele time. Naquela época só me encantava aquele jeito de jogar futebol e eu nem sabia o porquê.

Cada um dos jogos dessa campanha nunca saiu da minha memória. Lembro do clima das noites de meio de semana sempre que o São Paulo jogava essa Libertadores. Lembro do gosto de cada gol. Lembro bem que, se a Copa de 2002 foi o que vi de melhor como torcedor da Seleção, essa Libertadores foi o que vi de melhor como torcedor do São Paulo.

Sobre língua castelhana e transfusões de sangue

Arthur Siqueira

O ano é 2005. Em certo jogo da Final de um certo Mundial Interclubes, o meio campista de um certo time inglês adversário recebe a bola praticamente livre e avança em direção à meta de um certo goleiro artilheiro. Em sua cabeça, passa-se o filme dos momentos seguintes: ele avançaria em direção à baliza, driblaria o goleiro com facilidade e finalizaria com uma bomba no ângulo direito. Gritos da torcida, manchetes de jornais, glória. Antes do filme chegar aos créditos, algo o atinge por trás com uma força descomunal, arremessando-o alguns metros a frente e destruindo as ambições que haviam sido construídas em sua cabeça.

O zagueiro era Diego Lugano, e aquele lance, na metade do segundo tempo, definiu a maior virtude daquele São Paulo campeão mundial: o sangue nos olhos. Naquele momento, Lugano poderia facilmente ter sido expulso e o Tricolor seria esmagado com a desvantagem de um jogador importantíssimo aliada à clara superioridade técnica do time do Liverpool, mas na cabeça de Lugano, aquilo pouco importava. Ele sabia que tinha um dever como zagueiro: evitar o gol do time adversário. E isso deveria ser feito a qualquer custo. E ele foi lá e impediu. Tomou um amarelo que não avermelhou por muito pouco, e seguiu o jogo soberano na zaga. Aquilo era um São Paulo realmente vencedor. Jogadores não tão técnicos, como Aloisio e Edcarlos, mas que jogavam com garra e odiavam o sabor da derrota.

O retrato do time são-paulino hoje em dia é exatamente o contrário. O elenco é qualificadíssimo. Diversas estrelas, com salários astronômicos e nomes tão pesados que poderiam criar um campo gravitacional ao seu redor. Mas ao contrário daquele time que o torcedor tricolor tanto sente saudades, sobra qualidade e falta garra. Falta gana de vencer, falta a náusea causada pelo sabor da derrota. Jogadores como Paulo Henrique Ganso, um primor de técnica, um dos mais talentosos meias da geração brasileira mais recente, mas que não se dá o trabalho de correr atrás de uma bola perdida, dão a cara desse São Paulo atual.

Briga sozinho no meio de um mar de morosidade e conformismo o mito Rogério Ceni, que é mito e será para sempre no coração do são paulino justamente por ser o último que sente a dor da derrota. Que sai de campo xingando a puta que pariu o juiz por uma derrota. Que como um médico que tenta desfibrilar o paciente mesmo bons minutos depois de sua morte, tenta colocar algum sangue na veia de jogadores claramente sem vontade de estar ali suando a camisa do São Paulo. Sem sucesso algum, como se pode ver no comportamento dos jogadores.

Esse é o maior desafio de qualquer um que ouse vestir o agasalho de técnico do São Paulo. Fazer um grupo vencedor saber que eles estão infestados pela mediocridade. Que mesmo tendo vencido quase todos os jogos em casa, isso não basta para ser campeão, pra colocar sorriso na boca do torcedor na segunda feira e encher estádio na quarta. Essa missão hoje está na mão de Juan Carlos Osorio, colombiano que veio em uma tentativa da diretoria de fazer algo diferente do que é o futebol e os técnicos brasileiros atualmente.

Uma árdua tarefa para quem está no comando de um clube que se tornou cada vez mais soberbo e sem alma com o tempo, e que acumula vexames e mais vexames nos momentos em que o torcedor mais se alegraria com a vitória. Alguém que mostre ao time que não está tudo bem em brincar com o adversário após uma eliminação, e que se não for jogar por amor ao São Paulo, que jogue por gratidão à torcida que o apoia e que chora com a sua derrota.
A meta de Osorio tem que ser tornar o São Paulo mais Lugano, menos Ganso. Mais carrinho no Gerrard, menos risadinha na saída do campo depois de perder clássico. A língua eles já têm em comum, resta saber agora se o coração e a capacidade de contagiar o time com o tesão pela vitória são parecidos. Está nas mãos de Osorio fazer bater o coração do time do São Paulo, e colocar um pouco de sangue em olhos que não brilham pela vitória.

Guia do Brasileirão Subindo a Linha – Parte 4

José Eduardo

Corinthians
Tite
(Tite vai ter trabalho difícil para remontar o time)

Ponto forte: Defesa
Ponto fraco: Ataque
Fique de olho: Malcom
Time base: Cássio, Fagner, Gil, Felipe (Edu Dracena), Fábio Santos, Ralf (Bruno Henrique), Elias, Renato Augusto, Jadson, Mendoza (Malcom), Vagner Love (Romero)

O sonho do corintiano durou pouco. Melhor time do Brasil no início, o Timão sofreu baixas irreparáveis e sofre para manter os craques que faltam.

A justificativa é simples: acabou o dinheiro. A conta dos gastos exorbitantes que o time fez para construir e manter o estádio e para fazer um time competitivo chegou. O dinheiro investido em Pato, Guerrero, Tite e outros faz falta agora.

Os heróis do glorioso ano de 2012 já foram embora, juntos, para o Flamengo. Ralf e Elias também podem sair.

Mas o Corinthians continua com três trunfos. O primeiro, o fator casa. O corintiano soube transformar Itaquera em sua casa. Tirar pontos do Timão lá será quase impossível.

O segundo trunfo é a zaga. Mantida a base desde 2011, mesmo com a troca de Alessandro e Paulo André por Fagner e Felipe, respectivamente, o time continuou com a mesma solidez e o mesmo espírito de jogo. E a dupla de volantes Ralf e Elias se conhecem muito bem e ainda apoiam o ataque. Fazer gols no Corinthians será quase impossível.

Por fim, no banco de reservas está Tite. Talvez o maior conhecedor dos meandros do clube, Tite teve um ano sabático, aprendeu, estudou, e vem ainda melhor para voltar a dar glórias ao Timão.

O ponto fraco é o ataque. O desmanche que tirou Sheik e Guerrero deixou Mendoza, Malcom, Vagner Love e Romero. À exceção dos dois primeiros, o ataque é mediano para ruim. Vagner Love não é mais o mesmo, lento e impreciso. E Romero é ainda mais impreciso.

Se mantiver Malcom, joia da base, o Corinthians pode fazer seus golzinhos. Mas deve desfalcar o Timão por mais algumas semanas, porque está no mundial sub-20. Mendoza é rápido e tático. Um bom ponta.

Se não vender ninguém, poucos gols, vitórias por 1 a 0 e jogos sonolentos serão, novamente, a tônica do Corinthians. Se vender, poucos gols e derrotas.

Aproveitando a fragilidade dos outros clubes, por enquanto, ficaria em um quinto lugar, torcendo para o Internacional vencer a Libertadores para abrir uma vaga na competição sulamericana.

Palpite: BRIGA PELA LIBERTADORES

Palmeiras

(A torcida abraçou o time)

Ponto forte: Dinheiro
Ponto fraco: Retrospecto
Fique de olho: Dudu
Time base: Fernando Prass, Lucas, Victor Ramos (Jackson), Vitor Hugo (Tobio), Egídio (Zé Roberto), Gabriel (Amaral), Arouca (Robinho), Zé Roberto (Cleiton Xavier), Dudu (Valdívia), Rafael Marques (Leandro Pereira), Kelvin (Alecsandro)

Incrível o que a diretoria alviverde fez neste início de ano. Foram nada mais, nada menos que 22 jogadores contratados. Dois times completos.

Reflexo disso é a dúvida de qual será o time titular do Palmeiras com a chegada de Marcelo Oliveira, que vem substituir o recém-demitido, Oswaldo de Oliveira

No início do ano, as expectativas não poderiam ser melhores. Ótimos jogadores, contratações atravessando os rivais, como o caso de Dudu, dirigente e técnico bicampeões brasileiros.

Mas o que se viu em campo com Oswaldo foi o oposto. O time não entrosou e a torcida, nervosa, espera pelos resultados. A defesa ainda comete erros bobos. O ataque não produz. O meio-campo não fornece jogadas para os homens de frente.

Com a chegada de Marcelo, o time volta a figurar entre os favoritos. A sintonia com Alexandre Mattos já deu resultado. O desafio do treinador é mostrar para a torcida palmeirense que é possível ser campeão. O palestrino mais otimista está cansado de fazer boas campanhas e morrer na praia. Ou pior, lutar contra o rebaixamento.

A torcida já abraçou o clube. A média de público é a mais alta do futebol brasileiro. E ela merece ambições maiores, assim como Marcelo Oliveira. Chutado após subir o Cruzeiro de patamar no futebol sulamericano, o competente treinador tem a faca e o queijo para continuar sua carreira de sucesso. Basta mostrar para os jogadores, como disse Zé Roberto, que o Palmeiras é grande.

Palpite: VAGA NA LIBEERTADORES

São Paulo
M1to
(O Mito quer se despedir com mais uma taça)

Ponto forte: Elenco
Ponto fraco: Diretoria
Fique de olho: Rogério Ceni
Time base: Rogério Ceni, Bruno, Rafael Tolói, Dória, Reinaldo (Carlinhos), Hudson (Wesley), Denílson, Michel Bastos, Souza, Ganso, Luís Fabiano (Pato)

Time de vídeo game. O São Paulo é, no papel, o melhor time do campeonato brasileiro. Tem jogadores de copa do mundo: Rogério Ceni, Michel Bastos, Luís Fabiano; tem jogadores de seleção Olímpica: Rafael Tolói e Dória; tem jogadores apontados como gênios mas que não vingaram: Ganso e Pato. Mas não tem tranquilidade.

Desde o tricampeonato brasileiro 2006-08, o São Paulo não sabe o que é jogar tranquilo. A pressão veio das arquibancadas, da diretoria e dos próprios jogadores. O clube alcançou um patamar jamais igualado no futebol nacional. E é assim que o tricolor chega para mais uma tentativa de ser o melhor time brasileiro.

O presidente Carlos Miguel Aidar já havia dado o recado para o ex-técnico, e ídolo, Muricy Ramalho: “Nós vamos ser campeões com ele. Está devendo essa para gente. Nós montamos o time que ele quis. Ainda quer um “jogadorzinho”, mas com o que tem agora ele precisa ganhar. Quem vai cobrar publicamente dele sou eu. Não é mais ele que cobra da diretoria”.

Mas não é só com 11 jogadores que se faz um time. É com o apoio da torcida, confiança dos jogadores, alegria. E isso está difícil de se ver no São Paulo.

A fórmula é simples: se o time conseguir confiança, pode ser campeão. Se a diretoria continuar interferindo no moral dos jogadores, problemas à vista. Basta o melhor time no papel se transformar no melhor em campo.

Para isso, o papel da torcida é fundamental. Mas a diretoria também não enxerga isso. Preços exorbitantes afastam o torcedor, que comparecem em baixo número no Morumbi.

Rogério Ceni já disse que só joga até o final do ano. O maior jogador da história tricolor merece se aposentar com um título. Cabe à diretoria entender o que precisa ser feito.

Palpite: BRIGA PELO TÍTULO

Atlético-MG
galo
(O Caldeirão do Horto vai embalar o Galo)

Ponto forte: Raça
Ponto fraco: Retrospecto
Fique de olho: Luan
Time base: Victor, Marcos Rocha (Patric), Leonardo Silva, Jemerson, Douglas Santos, Rafael Carioca, Giovanni Augusto (Guilherme), Dátolo, Luan, Lucas Pratto, Carlos(Thiago Ribeiro)

O Galo encantou o Brasil com decisões impressionantes, viradas espetaculares e títulos brilhantes. O futebol era ora vistoso ora dúbio. Mas em competições mata-mata, não tinha jeito, era Galo na cabeça.

Nos pontos corridos, entretanto, a raça não era suficiente. Pontos perdidos, erros bobos e irregularidade ameaçavam a supremacia do time alvinegro. E o Galo, que não é campeão brasileiro desde 1971, chega nesta edição do Brasileirão desconfiado.

A torcida já está impaciente após derrota para o Cruzeiro e empate com o Santos, em casa. A ideia de mais uma vez ter um timaço e passar em branco no campeonato assombra os atleticanos.

O time é excelente, novamente. Rápido e criativo, o time conta com Luan e Dátolo na criação e saída de jogo, uma zaga quase impecável e um lateral direito que já foi convocado para a seleção. Com uma lesão, Marcos Rocha não pode jogar e é seu substituto que sofre com a pressão da torcida.

Se o Galo se mantiver raçudo, consegue ir muito longe. E o trabalho de Levir Culpi dá esperanças ao torcedor.

Para facilitar seu trabalho rumo ao título, o atleticano pode estar torcendo para o Internacional vencer a Libertadores e deixar o caminho livre para o bicampeonato alvinegro.

Palpite: BRIGA PELO TÍTULO

Internacional
Valdivia
(Com o xodó Valdívia, este é o ano do Inter)

Ponto forte: Elenco
Ponto fraco: Libertadores
Fique de olho: D’alessandro
Time base: Alisson, William, Juan, Ernando, Geferson, Rodrigo Dourado, Aránguiz, D’alessandro, Eduardo Sasha, Nilmar(Valdívia), Lisandro López

O que é este Internacional? Semifinalista da Libertadores, pentacampeão gaúcho, o Colorado vem, mais uma vez, cotado como favorito ao título. Mas desta vez é diferente.

O Colorado realmente é o melhor elenco do país. Diferentemente do São Paulo, que tem o melhor time no papel, o Inter tem um excelente time no papel, e um melhor ainda em campo. E um banco de reservas invejável.

Imagine você em que colocação estaria este time no brasileiro: Muriel, Claudio Winck, Réver, Paulão, Alan Ruschel, Nicolás Freitas, Nilton, Wellington, Alex, Anderson, Valdívia. No banco, ainda, Dida, Alan Costa, Léo, Martin Luque, Jorge Henrique e Rafael Moura. Eu diria que no g4 ele estaria. E este é o time reserva.

Realmente, o elenco colorado é um esquadrão. A força na Libertadores, graças a esse calendário esdrúxulo, é o ponto negativo do Inter no Brasileirão. O time está nas semifinais e terá difícil batalha contra o Tigres do México, podendo chegar à final contra o River Plate. O desgaste e um possível relaxamento após um título provável Colorado podem inviabilizar a conquista nacional. Mas com um elenco tão forte, o time ainda pode sonhar alto. Ser campeão estadual, nacional e continental no mesmo ano. Quem sabe até ser campeão mundial.

A expectativa é alta e a torcida sabe disso. Colocou mais de 40 mil torcedores em pleno domingo às 11h da manhã. É o ano colorado.

O time ainda pode contar com uma torcida extra para a conquista da Libertadores. Isto porque, com o triunfo, abriria, assim, uma vaga para a competição do ano seguinte para o quinto colocado do Campeonato Brasileiro. E o Inter poderia acabar esquecendo da disputa do nacional.

O palpite não poderia ser diferente:

Palpite: FAVORITO AO TÍTULO

Porque o São Paulo precisa de Osorio.

Por Rafael Montenegro

Começa 2015. Muricy Ramalho não consegue fazer o bom elenco do São Paulo jogar um bom futebol e não sucumbe aos problemas de saúde e ao ambiente insuportável criado no São Paulo. Milton Cruz assume, muda o estilo do time que, apesar de desapontar em momentos importantes, tem lampejos de jogo bem jogado. No meio da temporada, Juan Carlos Osorio é contratado para fazer render o elenco mais caro do Brasil. E tem potencial para arrumar uma bagunça que reina no São Paulo desde a primeira saída de Muricy, em 2009.

Para explicar preciso voltar ainda mais no tempo.

2004. O presidente do São Paulo é Marcelo Portugal Gouveia e o treinador é Cuca. Do Goiás ele importa Josué, Fabão, Danilo e Grafite – jogadores fundamentais para os títulos tricolores. É substituído por Leão que, bem a seu modo, não faz um bom trabalho – a ponto de queimar a passagem de Falcão no futebol de campo. Depois assume Paulo Autuori que, sem nenhum craque – a exceção de Rogério Ceni no auge -, monta um time ofensivo e eficiente de futebol bonito que conquista São Paulo, a América e o mundo.

2006. A presidência é passada a Juvenal Juvêncio. O apreciador de Blue Label traz Muricy Ramalho e compõe elencos competitivos e, acima de tudo, regulares. O São Paulo é tido como um exemplo de gestão, se consagra tricampeão brasileiro e consegue figurar entre os primeiros ainda na temporada de 2009.

Nesse período, o trabalho de Cuca deu origem ao estilo de jogo que culminou nos títulos com Paulo Autuori, que deixou um legado bem aproveitado na Era Muricy Ramalho. Mas, a partir do momento em que o São Paulo é eliminado pelo Cruzeiro na Libertadores de 2009 e Muricy é demitido, o São Paulo não consegue mais montar times campeões.

Juan Carlos Osorio é o décimo técnico que assume o Tricolor desde 2009. Além de Milton Cruz, que assumiu o time interinamente sete vezes, treinaram o são Paulo: Ricardo Gomes, Sérgio Baresi, Carpegiani, Adilson Batista, Emerson Leão, Ney Franco, Paulo Autuori e Muricy mais uma vez. Nenhum conseguiu implantar um estilo de jogo. Os únicos breves bons momentos tricolores nesse tempo dependeram diretamente da presença de jogadores espetaculares como Hernanes, Lucas e Kaká.

Todos esses técnicos tiveram a missão de reerguer o São Paulo. Ninguém conseguiu vencer e convencer. Todas as boas fases se esvaíram. E ao longo desse tempo o São Paulo viu o salto do Soberano crescer e proporcionar uma grande queda. O Corinthians conquistou a América e o mundo, o Palmeiras construiu um estádio e um próspero sistema de sócio-torcedor e o Santos continuou a galgar títulos (paulistas na maioria, mas com Copa do Brasil e Libertadores). O São Paulo se tornou obsoleto e não mete tanto medo. Pior de tudo, não achou uma identidade, um estilo de jogo.

A diferença

Osorio não chega da mesma forma que esses técnicos. Não tem a mesma origem, a mesma pressão e nem a mesma abordagem. A primeira coisa que o colombiano inspira é a curiosidade. É difícil afirmar se ele chega oferecendo algo diferente dos outros técnicos ou se ele é diferente por chegar oferecendo algo.

É um técnico que não repetiu a escalação nenhuma vez em mais de 100 jogos. Perfeito para estimular competição em um elenco com jogadores que não se sentem ameaçados, como Denilson, Souza ou Ganso.

É um técnico “acadêmico”: fez curso da UEFA na Holanda e estagiou por seis anos no Manchester City. Aprendeu com o que há de qualidade no futebol moderno e aplicou com sucesso no Atlético Nacional, onde ganhou seis títulos. Esse conhecimento teórico combinado com a rotatividade suprem uma demanda séria do Tricolor nos últimos anos: a variação tática.

Porque, justiça seja feita, ele tem na mão um bom time. Michel Bastos é a melhor contratação do São Paulo na década e a grande maioria dos jogadores do elenco brigaria por titularidade em muito time da Série A. Pra quem viu Carpegiani assumir para treinar Xandão, Carlinhos Paraíba e Juan, ver Osorio chegar com seu currículo para treinar Dória, M. Bastos e Ganso é um alento à esperança.