O “não-problema” do racismo no futebol

Por Vinicius Prado Januzzi

Cristóvão Borges, atual técnico do Flamengo, em entrevista recente à ESPN afirmou que há componentes racistas nas críticas que fazem ao seu trabalho.

Os torcedores vão dizer que não é nada disso, que o treinador não é de qualidade, não mexe bem no time, não escala bem a equipe, que é retranqueiro. Podem dizer que criticam a “pessoa” dele, por suas competências, por seus defeitos como profissional do futebol. Ninguém é bobo a ponto de não ver que as críticas a Cristóvão vão além. São atravessadas pelo racismo que tanto insistimos em afirmar que não existe no Brasil.

O principal motivo pelos quais o que diz o técnico deve ser encarado como algo socialmente relevante é simples. Se alguém se diz vítima de racismo e sofre isso no dia a dia e sofreu isso durante toda a carreira, só devemos ouvir, refletir e daí pensar em como agir. Não sou eu nem você quem devemos dizer que tipo de preconceito é ou não é mais intenso ou válido. Cristóvão encarou os leões e desafiou o nosso silêncio.

Trata-se, a bem da verdade, de um silêncio por demais barulhento.

Há um ano, Borges era o único treinador negro na Série A do Brasileirão. Hoje é acompanhado solitariamente por Roger, do tricolor gaúcho. 2 entre 20. Estatisticamente irrelevante, socialmente chocante.

Faça agora um breve esforço mental e tente se lembrar de profissionais negros no comando dos times brasileiros. Saindo da área técnica, quantos são os dirigentes negros no Brasil? Quantos são, afinal de contas, os profissionais negros em posições consideradas de maior prestígio no futebol?

São poucos, infinitamente poucos. Os negros no futebol são os jogadores, os massagistas e os roupeiros. Dificilmente os presidentes, diretores, fisioterapeutas e fisiologistas. Ocupam cargos relevantes sim, mas de menor impacto. De encontro ao que se vê nos comentários redes sociais e portais jornalísticos afora, a questão que devemos nos fazer é a seguinte: por que há tão poucos negros comandando o futebol brasileiro? E, sobretudo, por que isso é aceitável e quase nunca encarado como um problema?

Pois é um problema seríssimo, vivido também em outros países e em outros esportes, como mostrou reportagem da BBC em 2014. Não custa lembrar o episódio já quase esquecido em que Aranha, na época goleiro do Santos, foi insultado e cruelmente xingado durante uma partida da Copa do Brasil. O Grêmio, adversário do clube paulista na partida, foi excluído da competição, chegou-se a comentar aqui e ali algo mais e não passou disso. No mais, as coisas continuam como estão, sem que haja qualquer esforço coletivo para alterar profundamente esse cenário de longa data. Vira e mexe os jogadores entram com faixas em campo, pedindo “Não ao Racismo”, os locutores elogiam, que campanha bonita, que bonito de ver. E termina aí.

Poderia dizer que saímos todos derrotados. Não seria inverdade. No entanto, o buraco é mais embaixo, porque a situação não é simétrica. Sou branco e quando vejo essa situação, me sinto moralmente abalado. Meus privilégios continuam como estão. Não sou afetado cotidianamente por esse racismo tão escancarado que vivemos.

Os negros sim. São derrotados sem piedade por essa estrutura desigual e assassina. Diante de tudo isso, Cristóvão Borges, só me resta agradecer por fortalecer essa luta diária e cruciante tão necessária ao futebol que queremos.

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Sobre vpjanuzzi

Escrevo como meio de vida. Escrevo como meio de diversão. Escrevo também como um fim em si mesmo.

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