Sentidos do torcer

Por Vinicius Prado Januzzi

Cenário 1: Semana passada (16/09), o Flamengo veio até Brasília enfrentar o Coritiba. 2×0 para os Coxas com pouca ou nenhuma ameaça por parte dos rubro-negros. O cenário anterior à partida era dos melhores. Casa cheia, com quase 70 mil ingressos vendidos antecipadamente, renda garantida, seis vitórias consecutivas. Era um jogo para golear, no mínimo, fora o baile. Eis que, então, diante de uma atuação ruim de boa parte dos jogadores, grande parte da torcida escolheu vaiar. Vaiar.

Cenário 2: Volte pouco mais de um ano atrás. Dia 12 de julho de 2014, partida de estreia do Brasil na Copa do Mundo. Contra a Croácia, vitória apertada, feia, fruto da atuação impecável do árbitro e de golpes de sorte para o nosso lado e de azar para a equipe adversária fraca. Para incentivar a VerdeEAmarelo, o que os torcedores cantavam? Eu sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor. Repetidas e repetidas vezes, até o cérebro se programar em modo automático e o canto soar involuntário. Para complementar o nuclear grito de guerra, olas para empurrar os atletas brasileiros. Claro, vitória garantida, graças à torcida Canarinho. Orgulho dessa pá(t)ria.


Com exceção das organizadas e de meia dúzia de gatos pingados que se con(torcem) atualmente pelo time, no Brasil não se incentiva, aplaude-se. Jogos de futebol são como shows, nos quais as plateias sorriem e agradecem os momentos de impacto de seus artistas, fazendo cara feia para as falhas técnicas, para atrasos e para apresentações comuns. O torcedor é, na verdade, um fã. A partida precisa ser fotografa, filmada e registrada. Os jogadores estão ali para autógrafos, para as palmas, para gritos sem nexo e para as vaias.

O bom das vaias é que elas não exigem muito. Você não acompanha o seu time, não sabe muito o que acontece politicamente nos clubes, vê uma ou outra notícia. Sabe bulhufas de nada. Aí o time joga mal, por muitos os motivos possíveis, e então se vaia. Usa-se essa articulação entre cordas vocais e algumas sinapses cerebrais e, voilà, tem-se um bela (e divertida) apresentação sonora.

Não quero aqui defender que o estádio deva ser território exclusivo das torcidas organizadas. Que deva ser palco restrito somente para quem torce. Queiramos ou não, gostemos ou não, no entanto, sem elas, os jogos seriam marchas fúnebres. Diferentemente de outros países, como em alguns europeus e em quase toda a América do Sul, a torcida brasileira é silenciosa e reativa. Reage ao que o time em campo oferece naquele momento, esquecendo-se de todo o resto. Em anos recentes, com a política de inclusão desenfreada de elites econômicas nos estádios e a política conjugada de exclusão de camadas mais populares e mais acostumadas a se esgoelar por suas equipes, o cenário se complicou ainda mais. Eu soou brasileeeiro, com muito orguuulho, com muiiito amor. Mais vergonha alheia, só mesmo uma selfie com o Eduardo Cunha no Mané Garrincha ou na Câmara dos Deputados.

Eis que, então, para melhorar as condições normais de temperatura e pressão, ouvem-se burburinhos aqui e acolá em prol de torcidas únicas nos estádios. O argumento é patético. Brigas entre torcidas raramente acontecem nas arquibancadas e são marcadas previamente; proibir que ambas as agremiações organizadas possam torcer é iniciativa de quem conhece muito pouco o futebol. Ou, pelo contrário, de quem conhece muito e, por isso, quer higienizá-lo e torná-lo acessível e comercializável. Seeeenta!

Na contramão disso, enquanto o futebol ainda sofre com essa elitização sanguinária e enquanto a reação está sendo articulada, peço um pequeno favor. À partida, levem apenas o coração, a camisa de seus clubes e o grito. Esqueçam o wi-fi, os ângulos bons para o insta, a cobertura que impede a chuva de cair na cara. Esqueçam os instantes de silêncio, as palmas, as vaias. Levem somente a alma e a vontade de fazer daquelas duas horas as derradeiras de sua vida. As fotos, todo mundo vê depois, já sem voz, mas com o sorriso no rosto e a alegria de quem se arrepia pelo time.

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