Florentino Perez, pare de jogar FIFA

André Watanabe

Os torcedores do Real Madrid dão a Florentino Perez, Presidente do clube, muitos méritos na formação de times históricos dos merengues: a política agressiva de contratações traz um nome “galático” a cada início de temporada.

A cada anúncio de contratação, novos recordes são quebrados com valores estratosféricos. E quem mais vibra com isso é o jogador de videogame. Sim. É isso mesmo. Esclareço: nos jogos de futebol – o mais popular deles, o FIFA – quanto mais “estrelas” no time, melhor seu desempenho. Afinal, no jogo, há apenas dois cérebros pensando: o jogador e a inteligência artificial. Os futebolistas são mero aparato técnico. Para montar um time campeão no FIFA, basta contratar os melhores jogadores, independente de sua história, ligações com o clube, experiência ou distribuição tática. Era comum, em jogos mais antigos, contratar o Roberto Carlos – dono de chutes potentes e grande velocidade – para jogar de atacante.

Porém, o futebol – o de verdade – é um jogo coletivo e complexo. Há 22 cérebros diferentes lendo o jogo e tomando decisões em campo simultaneamente, além dos outros fatores primordiais ao futebol: ligação emocional com o clube, decisões dos técnicos e auxiliares, pressão da torcida e condição física dos jogadores, entre muitos outros. E nesse complexo emaranhado de forças, temos que entender que para 11 cérebros estarem alinhados e pensando coletiva e simultaneamente é necessário tempo e prática.

Ou seja, não adianta colocar 11 craques em campo e achar que o jogo está ganho. No “futebol moderno”, que nega espaços, a eficiência coletiva se sobrepõe (majoritariamente) ao talento individual. Por isso, o sucesso de um time começa muito antes do primeiro troféu ser levantado.

E isso é algo que Florentino não entende: para ele, um ano sem títulos é um ano perdido. Logo, alguém deve “cair”. De 2000 a 2006, foram 6 técnicos, sendo que apenas o lendário Vicente Del Bosque durou mais de uma temporada. Até Luxemburgo teve vez no comando da equipe.

Nesse segundo mandato, o presidente parecia ter aprendido a lição, quando manteve José Mourinho por três temporadas, apesar e ter conquistado apenas uma LaLiga e uma Copa do Rei. Em seguida, veio Carlo Ancelotti, italiano multicampeão com o incrível AC Milan dos anos 2000.

Em sua primeira temporada, Ancelotti conquistou a grande obsessão do Real Madrid nos últimos 10 anos: o décimo título da Champions League (“La Décima”), em 2013/2014. O time tinha a mesma base que o de Mourinho, porém com uma orientação tática mais ofensiva e fluida.

Após a conquista, veio a Copa do Mundo do Brasil. James Rodrígues jogou tudo e mais um pouco pela Colômbia e, claro, atraiu os olhares de Florentino Perez. O dirigente então comprou o jogador por 80 Milhões de Euros. Mas o que saiu mais caro foi a saída de Di Maria, necessária para dar lugar no time ao colombiano. Vendido ao Manchester United por 75 Milhões de Euros, Di Maria tinha sido o jogador mais importante do Real na conquista da Champions, pois foi ele que Ancelotti elegeu para ser o catalisador do time: sua velocidade e controle de bola ditavam o ritmo dos contra-ataques e sua recuperação explosiva, dedicação e ímpeto recompunham a defesa com muita eficiência. Na minha opinião, foi o verdadeiro Bola de Ouro de 2014.

A Ancelotti, restou adaptar seu time à perda do seu jogador-chave e à chegada de James. No início, deu certo: avassalador, o Real Madrid chegou perto de quebrar o recorde mundial de vitórias consecutivas. O time estava jogando tudo. Porém, tudo mudou quando as lesões começaram a aparecer e mostraram a fragilidade de um elenco limitado por suas estrelas: com a baixa de Sergio Ramos, coordenador da defesa, e Modric, fundamental na recomposição defensiva e na distribuição de jogo, não havia jogadores suficientemente colaborativos no ataque que pudessem ajudar na marcação. Resultado: Cristiano Ronaldo tornou-se cada vez mais egoísta para manter suas estatísticas, Bale passou a ter mais incumbências defensivas e caiu bruscamente de rendimento, Toni Kross ficou sobrecarregado no meio-campo e o time começou a perder. Ao final da temporada, nenhum título. Com Di Maria, acredito que o Real Madrid conseguiria manter-se ainda muito mais competitivo e, possivelmente, teria sido campeão espanhol.

Sem nenhuma cerimônia, Carlo Ancelotti – que há um ano provara sua competência – virou bode expiatório e foi demitido. Para seu lugar, Rafa Benítez, treinador com retrospecto pra lá de duvidoso na última década. Uma decisão chocante para o mundo do futebol e comemorada pelos adversários. Agora, cabe ao novo técnico desenvolver dentro do clube – e rápido – um novo padrão tático, metodologia de treinamento, intimidade com o elenco, etc.

Florentino – um dirigente europeu com cérebro de brasileiro – parece não entender o mais importante em um time de futebol: o fator humano. Um jogador precisa de tempo para se adaptar ao clube, aos companheiros, aos métodos e táticas do técnico e até mesmo à torcida e à cidade onde vai viver. Políticas imediatistas e ausência de planejamento de longo prazo são sentenças de morte para qualquer clube. Um time vencedor se constrói ao longo de anos, não meses.

O exemplo está ao lado: o Barcelona alcança hoje um sucesso construído em mais de 40 anos! Então, para o bem do Real Madrid – o maior clube do Século XX –, é melhor seu Presidente desligar o FIFA e começar a viver o mundo real.

HISTÓRICO DE FLORENTINO E COMPARATIVOS

Florentino sabe como causar impacto. Bilionário do ramo de construção, iniciou a era dos galáticos no Real Madrid em 2000, com a contratação polêmica de Luis Figo – na época, astro do Barcelona. Contratou o melhor jogador à época, pagando a absurda cláusula de rescisão de 60 Milhões de Euros e contra a vontade dos rivais catalães. Caiu nas graças da torcida. Nos anos seguintes, chegaram Zidane, Ronaldo e Beckham para formar um time incrível. No papel.

Em seu primeiro mandato, 7 títulos em 22 disputados. Nada mal? Vamos analisar friamente: considerando apenas os “grandes títulos” (Champions, LaLiga e Copa do Rei), são 3 em 18 possíveis. Menos de 17% de sucesso. Muito pouco para um time com esse nível de investimento.

Já no segundo mandato – vigente desde 2009 – trouxe Kaká, Cristiano Ronaldo, Gareth Bale e James Rodrígues, entre outros. Tentando rivalizar com o agora demolidor Barcelona, em 6 temporadas Florentino trouxe a Madrid 7 títulos em 23 possíveis, sendo apenas 4 em 18 grandes. 22% de sucesso. Como comparação, o histórico Barcelona de Pep Guardiola ( 4 temporadas entre 2008-2012) ganhou 14 títulos em 19 possíveis, sendo 7 em 10 “grandes títulos”. Um aproveitamento absurdo de 70%.

Ainda comparando, o Atlético de Madrid na Era Simeone (desde 2009), conquistou 4 grandes títulos: 1 LaLiga, 2 Europa League e 1 Copa do Rei. A mesma quantidade que o Real, mas com apenas 30% do investimento merengue.

Será que todo o dinheiro gasto e as constantes mudanças de técnico valeram a pena? Eu acho que não.

Tags:

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logotipo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Google

Você está comentando utilizando sua conta Google. Sair /  Alterar )

Imagem do Twitter

Você está comentando utilizando sua conta Twitter. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s

%d blogueiros gostam disto: