Quero ver gol

Vinicius Prado Januzzi

Há pouco tempo aqui no Subindo A Linha, meu colega Pedro Abelin comentou sobre o início da Copa do Mundo de Futebol Feminino. O noticiário esportivo, com raras exceções (e eu falo isso como recurso estilístico, porque imagino que o negócio é pra lá de feio mesmo), veicula o torneio por obrigação moral, ou digamos assim, por expiação de consciência. É, é futebol, logo divulgamos, mas é futebol feminino, então…matérias de um minuto ou dois.

Mais surpreendente do que essa faceta extremamente grotesca é outra ainda pior. “Conheça as jogadoras que encantam (dentro e fora de campo)”, “As mais belas jogadoras por seleção nessa Copa do Mundo”, “Bola dentro! Veja as beldades que desfilam em campo.” Seria cômico, não fosse trágico.

Claro que podemos analisar esse fenômeno sob diferentes óticas. Podemos dizer que não é só o jornalismo que é sexista e estúpido, mas que a sociedade é, as pessoas em geral o são, logo os jornais e as mídias só produzem algo que é comercializável, que atrai público, que, enfim, possibilita renda.

Também podemos dizer que não é nada disso, que seja quem seja essa sociedade, claramente machista, o jornalismo de larga escala poderia se opor a essa tendência e produzir materiais de boa qualidade, ressaltando o futebol feminino pelos gols, pelas jogadas, pelas defesas e pelas táticas. Poderíamos ir mais além: jornalistas de todo o mundo, falem da política voltada ao futebol feminino, comentem sobre as políticas de exclusão, sobre os salários risíveis e sobre as precárias condições de trabalho. Engajem-se contra isso.

Há outros que dizem que não há problema nenhuma nessa cobertura. É o jeito como as coisas são; mulher joga bola, mas tem bunda, logo vejo os dois. Se ela está querendo se mostrar dessa forma e eu querendo vê-la assim, que mal há em ambos exercemos nossas liberdades e seguirmos nossos desejos?

Essas questões, é claro, não são reservadas ao mundo das boleiras e dos boleiros. Você já deve ter ouvido falar de Ana Cláudia Lemos, velocista brasileira. Ana Cláudia é medalhista do ouro dos Jogos Pan-Americanos de 2011, atual recordista brasileira sul-americana nos 100 metros rasos e é conhecida, sobretudo, por sua forma física. Em matéria risível de 2011 (http://globoesporte.globo.com/programas/globo-esporte/noticia/2011/05/musa-do-atletismo-promete-chamar-atencao-no-gp-de-uberlandia.html), o GloboEsporte nos brindou com a seguinte manchete: “Musa do atletismo promete chamar atenção no GP de Uberlândia. Além de ser a velocista mais rápida do Brasil, a atleta Ana Cláudia Lemos ostenta medidas bem distribuídas”. Acho que nem preciso argumentar onde se encontram os problemas dessa frase.

Temos uma velocista extremamente competente. Temos uma seleção feminina das melhores do mundo. Nosso time de handebol feminino foi o último campeão mundial. Contra tudo e contra todos, frise-se. Para a mídia esportiva, predominantemente masculina (infelizmente esse blog ainda é composto só por homens), e para o público televisivo, talvez importem outros atributos de nossas atletas. Sem apontar causas e efeitos com relação a essa postura cruelmente machista, porque imagino que o problema é de retroalimentação homicida, ofereço um desafio. Na próxima vez, entre uma bunda e um gol, veja o gol. Veja a atleta, a campeã, a heroína do esporte. Veja o sacrifício e a superação. Em alto e bom som, digo: eu quero ver gol!

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