A nova face do (anti)jornalismo esportivo – ESPN Brasil II

Continuamos nossa série analisando as novas formas de jornalismo esportivo no Brasil, e, hoje, aprofundamos um pouco mais na ESPN. Demissões, mudanças na grade, linha editorial, humor e pouca investigação.

Veja também as outras partes da análise I, II, III, IV e V

Demissões e saídas

A grande tônica da nova faceta da ESPN foi a troca de apresentadores e jornalistas, que representam a mudança na linha editorial. A primeira delas ocorreu em 2013, não sem justa causa.

Naquele ano, o jornalista Flávio Gomes, abertamente torcedor da Lusa, indignado com uma marcação de pênalti contra seu clube, a favor do Grêmio, reclamou em seu Twitter. Em tom ácido, como de costume, fez provocações fortes.

Entretanto, neste caso, Flávio proferiu insultos homofóbicos, comportamento inaceitável ao veículo: “Juiz vagabundo, timinho escroto desde 1903. São muito machos no Sul. Mas adoram dar a bunda”.

Flávio Gomes, hoje na Fox Sports, certamente se arrepende de suas palavras. Ele exerce papel fundamental na luta contra homofobia, racismo, transfobia e outros males tão presentes no futebol e atua como equilíbrio e bom senso no Fox Sports Rádio (a ser abordado no capítulo sobre a emissora).

Em 2014, uma mudança radical iniciou o processo de reformulação do canal até a chegada da linha editorial atual. Neste ano, a sucursal carioca focou exclusivamente em reportagens, principalmente de campo, excluindo de seu quadro as participações nos estúdios do Rio de Janeiro.

Foi assim que Márcio Guedes e Fernando Calazans, atuantes no Linha de Passe, e Lúcio de Castro, presente no Bate-Bola (BB) no horário do almoço, se despediram da programação. A princípio, não foram demitidos. Como disse Lúcio de Castro: “fui para a ESPN, teve umas mudanças e, um belo dia, me avisam, sem nenhuma explicação, que eu sairia do ar”.

A perda dos profissionais mudou bastante a cara do canal. Márcio Guedes e Calazans apresentavam um contra-ponto ao lado paulista da emissora. No Linha de Passe, programa à época semanal, contribuíam para aprofundar sobre os clubes cariocas com propriedade e vivência cotidiana sobre o Rio de Janeiro.

De fato, a emissora nunca foi exemplo de abrangência de temas. Como cruzeirense que sou, sempre senti muita falta de abordarem sobre os times de Minas, quanto mais do Nordeste, Norte, Centro-Oeste e Sul do país. Mesmo assim, Guedes e Calazans faziam com que o Linha de Passe saísse da monotonia paulista – mais precisamente sobre o trio paulistano (Corinthians, Palmeiras e São Paulo, nesta ordem).

Lúcio exercia papel fundamental no Bate-Bola. Programa diário, o BB, abordava temas mais abrangentes que o Linha de Passe. Não por coincidência, Mauro Cezar Pereira, niteroiense vivendo em São Paulo, ajudava na diversidade do programa.

O programa conseguia harmonizar investigação de denúncia com humor. Conhecido como “jornalismo mal-humorado e pessimista”, o programa incluía severas críticas à escolha do Brasil como sede da Copa do Mundo 2014 e Jogos Olímpicos 2016.

Apresentando denúncias, superfaturamentos, oba-oba nas concentrações dos atletas, corrupção por parte de CBF, COB e governos estaduais e federal, os jornalistas do Bate-Bola abordavam o que outras emissoras não o faziam com propriedade. Exemplo disso foram as matérias sobre corrupção envolvendo o ex-presidente da Confederação Brasileira de Vôlei, Ary Graça.

Ademais, notável era a qualidade do programa, que contava com PVC nas estatísticas e curiosidades, e o bom-humor da dupla carioca e o apresentador João “Canalha” Albuquerque. Como não se lembrar da apresentação de Waldemar Lemos, como treinador do Flamengo?

Em seguida, foi a vez de PVC dizer adeus à ESPN. Com a inauguração da Fox Sports, o gênio das estatísticas se foi da emissora, em busca de novos desafios. Deixando órfãos os fãs do Bate-Bola clássico, Lúcio e PVC seguiram sua carreira enquanto o programa mudou de equipe e horários.

O BB passou por várias reformulações até a chegada do formato atual: três edições, uma de manhã tratando de temas nacionais, de norte a sul; um noturno, com os principais jornalistas da casa, com apresentação de Canalha e participações de Mauro Cezar; e o tradicional no horário do almoço, que preza pelo humor, a ser destrinchado na próxima matéria da série.

Por fim, chegamos ao biênio 2016-17. Foi neste período que a ESPN finalizou seu processo de mudança editorial, com demissões dos principais jornalistas, com mais tempo de casa, e que mostraram o rompimento entre política e futebol, principal ferramenta da emissora.

O primeiro a se despedir foi José Trajano. Fundador do canal no Brasil, Trajano estava há 17 anos na ESPN e participava semanalmente do Linha de Passe. Com os acontecimentos políticos no Brasil, não se sentia à vontade em se manter calado em rede nacional sobre o cenário nacional político e social. Desta forma, fora demitido.

Sem explicações, como afirmou Trajano, fora mandado embora de sua emissora acreditando ter sofrido por abordar política em seu programa. Após sua demissão, também se foram Helvídio Mattos e Roberto Salim, brilhantes jornalistas por trás de Histórias do Esporte e Caravana do Esporte, que apresentavam o lado social e não profissional do esporte.

Por fim, foi-se embora o último suspiro de mudança na ESPN. Idealizador do Resenha, vencedor de melhor programa esportivo em 2016 e 2017, pelos próprios jogadores, Juan Pablo Sorín deixou o canal sem ter seu contrato renovado. Apesar de haver aqueles que não se cativavam pelo argentino, é inegável sua importância no canal. Seria possível retirá-lo do comando do programa e enquadrá-lo como convidado, ou mesmo deixá-lo nos bastidores e produção, mas a emissora preferiu demiti-lo.

Sem espaço crítico, sem conteúdo fora das quatro linhas, sem denúncias e investigação, restou à ESPN mais do mesmo. Humor, jornalismo raso, discussão apenas sobre o que ocorre nas quatro linhas e entrevistas pontuais. Como disse Trajano, “O que plantamos (na ESPN) está sendo destruído”. Quem perde é o “Fã de Esportes”.

Na próxima reportagem, encerramos a análise sobre a ESPN e começamos a focar em outras emissoras. Fique ligado!

José Eduardo

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