A nova face do (anti)jornalismo esportivo – ESPN Brasil IV

Nesta edição, continuamos nossa análise sobre a ESPN. Abordamos a predileção da emissora por Rio-São Paulo e a ignorância e desproporcionalidade referentes à cobertura das equipes do restante do país.

Veja também as outras partes da análise I, II, III, IV e V

Centrada no bairro de Sumaré, cidade de São Paulo, a ESPN possui apenas uma sucursal, no Rio de Janeiro. Com equipe de profissionais limitada e sem setoristas nos outros estados, a emissora foca suas atividades principalmente na capital paulista.

Na cidade, Corinthians, São Paulo e Palmeiras contam com setoristas que cobrem o dia-a-dia das equipes, com entradas ao vivo, reportagens e bastidores em todos os telejornais da emissora. Santos, Flamengo, Fluminense, Botafogo e Vasco ficam em segundo plano mas também contam com setoristas esporádicos e, ao menos uma vez ao dia, são assuntos no canal.

A predileção por Rio-São Paulo, entretanto, vai além da localização das sedes da empresa. Debates, especulações e comparações são feitas quase exclusivamente referentes a esses clubes, em especial o trio Palmeiras, Corinthians e Flamengo.

O fato se explica pelo fator audiência. Como têm as maiores torcidas do Brasil, Flamengo e Corinthians possuem torcida em todo o território nacional, explicando-se, dessa forma, a predileção por estes clubes. O Palmeiras, com enorme torcida pelo estado de São Paulo e, consequentemente, rival do Corinthians, também ganha destaque no canal.

São Paulo, Santos, Botafogo, Vasco e Fluminense se configuram figurantes nessa corrida por espaço no canal. E aqui cabe a primeira crítica aos programas do telejornal. Apesar de terem torcidas nacionais, o quinteto é protagonista apenas quando apetece ao torcedor o trio de ferro (Flamengo, Corinthians e Palmeiras). Crises, derrotas, rebaixamento são o principal motivo de matérias acerca dos clubes.

De fato, esta predileção pelo trio de ferro não é exclusividade da ESPN. Globo, Band, Fox Sports, entre outras mídias também adotam esta fórmula. Entretanto, à ESPN, tão crítica do modelo mercantil do jornalismo esportivo, cabia liderar a mudança.

Fosse a predileção por pautas clubísticas o único problema, estaria terminado este texto. Entretanto, o Brasil não é composto por duas federações. Há outros 14 estados com, pelo menos, uma equipe nas três primeiras divisões nacionais.

Minas Gerais e Rio Grande do Sul, somados, possuem clubes que ultrapassam 20 milhões de torcedores. Bahia, Santa Catarina, Paraná e Pernambuco possuem campeões nacionais. Goiás, Pará, Maranhão campeões da série B. Rio Grande do Norte e Alagoas, série C. Ceará e Paraíba, série D. Para ficarmos nos principais títulos nacionais.

A relevância do esporte nacional é inevitável. A forte presença de Bahia, Cruzeiro, Atlético-MG, Internacional e Grêmio motivou a criação da Taça Brasil em 1959, vencida pelo Tricolor de Aço. Não houvesse relevância destes clubes, o torneio Rio-São Paulo não teria sido extinto.

Juntos, os clubes fora Rio-São Paulo detém 2 Mundiais, 9 Libertadores, 15 campeonatos brasileiros, os dois maiores campeões da Copa do Brasil e outros 15 títulos da competição e uma imensidão de culturas que fortalecem o país.

Sem equipe de trabalho fora Rio-São Paulo, a ESPN ignora o dia-a-dia das equipes fora do eixo tanto em reportagens, por falta de logística, quanto por falta de interesse em sua grade de programação. São oito programas ao vivo diários, mais três semanais, e apenas o Bate-Bola da manhã se limita a tratar do futebol nacional como um todo. Ainda assim, deixa claro que há “programação Nordeste”, como “Bola da Vez Nordeste”, sem perceber no desequilíbrio que é haver um programa nordestino enquanto os outros sete, ditos nacionais, falam exclusivamente de Rio-São Paulo.

Inclusive, o Linha de Passe, principal programa da emissora, possui desequilíbrio enorme nas pautas abordadas. Dificilmente um clube fora o eixo Rio-São Paulo-Minas-Sul é mencionado, analisado. Quando muito, tal equipe é citada apenas quando joga contra Corinthians ou Flamengo ou quando um jogador é a eles especulado.

É bem verdade que, com a criação da programação Nordeste, a cobertura sobre os clubes da região aumentou. Mas ainda não é suficiente. É um oitavo da programação. Minas, Goiás e Sul continuam à mercê de boas campanhas para se tornarem notícia. Mesmo havendo profissionais que entendem da área, como Leonardo Bertozzi, a linha editorial não permite que os clubes mineiros sejam abordados com profundidade.

Assim como o excesso de humor, o bairrismo é proposital. O jornalismo é mercantil na ESPN. Um fato é relevante apenas se houver audiência e, portanto, dinheiro envolvido. É por isso que outros esportes, bem como o futebol feminino, são ignorados. Aqui entra a grande questão do jornalismo: o público se interessa porque um fato é relevante ou um fato é relevante porque o público se interessa? Nesta ESPN apenas a segunda vertente é aceita.

Na próxima edição, finalizamos a cobertura da ESPN, comparando os programas sobre futebol com os de outros esportes na emissora e analisando o trabalho de competentes repórteres que devem seguir à risca a nova programação.

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