A nova face do (anti)jornalismo esportivo – ESPN Brasil III

Seguimos com a série de análises sobre o jornalismo esportivo nacional e, hoje, abordamos aspectos sobre a programação ao vivo da ESPN Brasil. Para este tópico, dividimos em duas partes, a ser complementada na próxima matéria da série. Iniciamos com os principais programas da grade horária.

Veja também as outras partes da análise I, II, III, IV e V

Programação ao vivo

Com a chegada da Fox Sports e o alto investimento da empresa americana Turner no grupo Esporte Interativo, a ESPN deixou de exercer o direito de transmissão de várias competições de futebol internacional. Campeonato alemão, espanhol e italiano foram divididos entre ESPN e Fox Sports enquanto a principal competição, Champions League, ficou exclusivamente com o Esporte Interativo.

As perdas de transmissões, principal combustível para manter a engrenagem da ESPN, motivaram a emissora a preencher sua grade com programas ao vivo. Ao todo, são três edições diárias do Bate-Bola, três edições do SportsCenter, duas do ESPN AGORA e uma do Futebol no Mundo.

Quanto aos programas semanais, são duas edições do Linha de Passe, podendo haver mais edições em condições especiais, como partidas da Seleção Brasileira, uma do Resenha e uma do Bola da Vez.

Cada edição dos programas conta com uma equipe fixa de jornalistas mais convidados. Portanto, mesmo sendo três edições do Bate-Bola, elas diferem de uma para outra, tanto pela linha editorial como por opiniões e trabalho dos jornalistas.

Com o excesso de programação ao vivo, seria inevitável não haver monotonia na grade horária. Aquele que acompanha o Bate-Bola pela manhã dificilmente assistirá às outras edições. Entretanto, a estratégia funciona para alcançar diferentes públicos em diferentes horários. Portanto, aquele que trabalha de manhã e à tarde pode acompanhar a edição noturna, e vice-versa.

Linha de Passe

A princípio, o excesso de programação ao vivo em nada influencia na qualidade dos programas. É possível fazer excelentes debates, matérias jornalísticas, documentários e investigações durante todo o dia sem perder a seriedade, correndo o risco apenas de repetir os tópicos.

É o caso do Linha de Passe. Com duas edições semanais, o programa repete o que fora abordado pelo canal durante a semana. O diferencial do Linha de Passe costumava ser a excepcionalidade dos jornalistas ali presentes.

Juca Kfouri, José Trajano e Mauro Cezar Pereira exerciam papel fundamental na manutenção do programa. Traziam denúncias, opiniões políticas, vivências no esporte. Criticavam aspectos do esporte pouco abordados ou ignorados por outras emissoras.

Hoje, fala-se muito do futebol dentro das quatro linhas, da vaidade de determinado jogador, da vida pessoal de outro, e pouco se fala dos aspectos político-sociais que o esporte proporciona. Juca Kfouri e Mauro Cezar permanecem em apenas uma das edições do programa. De resto, o Linha de Passe se tornou mais do mesmo, opiniões mundanas ao futebol que podem ser observadas aos montes nas outras emissoras.

Atualmente, cabe apenas a Juca questionar, mencionar e criticar o modelo político-social do país imerso em um caos moral. Sem Trajano, entretanto, suas críticas passam batido. A dupla Juca-Trajano debatia profundamente aspectos fundamentais tanto no esporte como fora dele, o que tornava o Linha de Passe único.

Bate-Bola Debate – Edição das 13h

Quanto à monotonia da grade horária da emissora, fosse este o maior problema, as críticas seriam mais brandas. Entretanto, o que ocorre especificamente no Bate-Bola no horário do almoço (BB Debate) é uma aberração jornalística; reduz a ESPN a algo que seus jornalistas sempre criticaram.

É nesta edição, outrora sério, com o comando de João Carlos Albuquerque e participações de PVC, Mauro Cezar Pereira e Lúcio de Castro, que podemos perceber as maiores mudanças na linha editorial da emissora.

Com corpo fixo de Bruno Vicari, Leonardo Bertozzi, Jorge Nicola e Alexandre Oliveira, o novo formato do Bate-Bola estreou em 2015. À época, Bertozzi participava de transmissões ao vivo, do Futebol no Mundo e do SportsCenter como substituto eventual de Amigão e Antero Greco.

Fluente em italiano, Bertozzi fazia um trabalho fenomenal de análises de partidas e bastidores do futebol da Bota, além de desempenhar bom trabalho de âncora dos telejornais. Bem-humorado, o mineiro trazia sua imparcialidade e domínio sobre o futebol de seu estado, agregando ao canal opiniões sobre dois grandes mercados: Itália e Minas Gerais. No BB Debate, virou só mais um.

O programa se voltou ao excesso de humor, com Alexandre Oliveira, Bruno Vicari, o “Ken Humano”, como Oliveira o apelidou, e nos conhecimentos de Jorge Nicola sobre os bastidores do futebol paulista.

À primeira vista, o programa poderia vingar. Oliveira estava no auge de seu reconhecimento, participando de transmissões bem-humoradas, e com bom conhecimento sobre categorias de base e fundamentos do futebol de salão. Nicola trazia seus contatos sobre bastidores enquanto Bertozzi opinava com propriedade sobre assuntos variados.

Entretanto, ao longo do tempo, o programa caiu na monotonia. Como mencionado, as diversas edições ao vivo e a falta de transmissões fizeram com que faltasse assunto relevante ao programa. Desta forma, o Bate-Bola abdicou do jornalismo investigativo e focou no humor de Oliveira.

“Decreto”, “Dona Encreca”, “Lei Gil” são algumas das contribuições diárias ao programa. O humor, antes inofensivo e pontual, rumou à insistência em piadas banais e ofensivas. A fala de Oliveira se direcionava exclusivamente ao tele-espectador homem, fugindo vertiginosamente do esporte.

Corriqueiramente, Oliveira mencionava sua ex-mulher como “Dona Encrenca”, esteriótipo de mulher louca e chata que importunou sua vida, estigma pelo qual as mulheres diariamente sofrem. Quando havia participação de um “Fã do Esporte” com foto de casal, ridicularizava o homem se submeter a mulher àquela forma.

A lei Gil também tinha o viés preconceituoso. Como disse o ex-jogador do Cruzeiro, comemorando título mineiro de 2006 em uma entrevista pós-jogo, ” (vale tudo) só não vale dar o cu”. E nessa insistência, Oliveira citava a “lei” quase diariamente. A mensagem era clara: “tele-espectador homem, não é permitido ser homossexual”.

Ambas as anedotas depreciativas podem passar batidas. Na primeira, na segunda vez, a piada talvez fosse relevada. Quando tornou-se diário o insulto, além de perder a graça, foi possível observar o quanto o esporte estava coadjuvante em um programa esportivo.

O humor, tão presente com Lúcio de Castro e Mauro Cezar, já não era inocente nem tinha ligação com o esporte. Ofendia e não contribuía para o senso crítico. Não havia jornalismo.

Concomitantemente, as informações de bastidores de Nicola também caíam por terra. Falsas especulações, contratações nunca efetivadas e brigas que jamais aconteceram. Hoje, Nicola é, inclusive, ridicularizado durante o programa por tantas informações desencontradas.

Alexandre Oliveira não teve seu contrato renovado e rumou ao Esporte Interativo, onde mantém seu humor. Há quem goste de seu personagem, mas é inegável a perda que o jornalismo esportivo sofre em sua esquete, uma vez que Oliveira ficou conhecido mais por suas piadas que pelas suas reportagens e opiniões.

Bertozzi, Vicari e Nicola permanecem no Bate-Bola, que mantém o formato, agora com presença de Celso Unzelte e Rômulo Mendonça. Apesar de bons jornalistas, não mudaram a linha editorial do programa.

É necessário perceber que mesmo com tais mudanças no quadro de jornalistas do Bate-Bola Debate, a linha seguiu-se a mesma: humor, especulações, comparações absurdas, lives no Instagram e poucas reportagens. A competência profissional dos participantes do programa não interferem na qualidade deste, uma vez que não há espaço para jornalismo ali.

Nas próximas edições da série, finalizamos a análise sobre a ESPN, falando sobre assuntos delicados como predileção quase exclusiva pelo eixo Rio-São Paulo, jornalistas competentes, mas sem espaço e comparações com a cobertura do futebol com a de outros esportes dentro da própria emissora. Também vamos analisar os pontos positivos que a ESPN ainda guarda e como eles podem ser utilizados com mais propriedade.

José Eduardo

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