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Lugar de manifestação política é onde houver vida

No dia 17 de março, a Patrocinense enfrentou o Cruzeiro no Mineirão pelas quartas de final do Campeonato Mineiro de 2018. O Cruzeiro venceu e se qualificou para a semi contra o Tupi. Entretanto o assunto de hoje não é o futebol e o esporte em si, mas sim ações feitas nos estádios contra a liberdade de expressão. A torcida organizada “Comando Rasta” do time celeste levou uma faixa em homenagem à Marielle Franco, vereadora do Rio de Janeiro morta no dia 14 de março. Era uma grande defensora dos direitos humanos.

Coronel Teatini, um funcionário da administradora do Mineirão “Minas Arena”, ordenou a retirada da faixa. Um torcedor conversou com ele para tentar entender o motivo e fica claro que a retirada foi feita simplesmente porque Teatini não concorda com as posições políticas relacionadas à repercussão do caso Marielle.

Coronel e Leifert, o Mineirão, assim como todos outros espaços públicos, são lugares de manifestações políticas. Até mesmo os espaços privados, dependendo das circunstâncias, são passíveis de receber manifestações. Fora que uma bandeira homenageando alguém não necessariamente é uma manifestação política. Os simples dizeres “#MariellePresente” não mostram posição política nem partidarismo.

Se pensarmos que só é possível transmitir mensagens referentes ao nosso posicionamento e pensamento, acabando assim com um fator importante para a democracia, o debate, é melhor assumirmos de vez uma ditadura onde não há espaço para divergências. Da mesma forma que alguém pode expor sua opinião, todas as outras podem, lembrando que de uma forma respeitosa e sem conter quaisquer tipos de preconceito e discriminação. Portanto, é um absurdo pensar que manifestação política só é válida e legítima se for do mesmo ponto de vista que o nosso.

Em outro ponto, a Constituição Brasileira assegura a liberdade de expressão. Já no estatuto do torcedor, não há um ponto específico sobre isso, mas não é vetado no artigo 13.

Fatos como o que ocorreu no Mineirão são recorrentes no universo do futebol. Uma bandeira da torcida do Flamengo com outra homenagem à Marielle sumiu no Engenhão no dia 22, enquanto outra faixa da Tribuna 77, organizada do Grêmio, foi retirada pela polícia no clássico Grenal do dia 18 por ser manifestação política.

Difícil entender como uma manifestação feita para homenagear uma morte causa tanta repercussão e essa reação dura, enquanto manifestações racistas, homofóbicas e machistas nem sempre são combatidas e punidas. No caso em Minas, a Minas Arena soltou uma nota explicando que há um processo prévio para análise e liberação de bandeiras, o que foi contraposto na fala de Teatini.

Infelizmente, repressões políticas dentro do esporte acontecem, como por exemplo o caso Keapernick, jogador de futebol americano que ajoelhou durante o hino dos Estados Unidos para protestar contra a violência policial sofrida pelos negros no país da NFL.

O caso Keapernick é complexo e discutível. Será que a maneira que ele escolheu para protestar é a melhor forma de protesto? Não sabemos e não cabe a nós julgar. Posicionar-se no mundo de hoje é algo para poucos e passível de consequências. Keapernick escolheu lutar. Isso não deve menosprezar a luta política em ambientes esportivos. A luta nunca foi fácil e algumas pessoas não conseguem ficar caladas ao ver o que acontece no mundo.

A comparação de Leifert entre espaço esportivo e Netflix é surreal, tendo em vista que o segundo é um espaço virtual, onde não há pessoas mostrando suas caras. Portanto, o protesto não é claro lá. Apesar disso, o protesto pode vir de maneira ideológica em filmes, séries, produtos audiovisuais, onde o autor escolhe mostrar algo de forma crítica. Então é possível ter alguma forma de protesto sim na Netflix.

Então, Leifert, o mundo está cheio de pessoas. E sim, elas tem o direito de protestarem de forma pacífica onde bem acharem que é o espaço para tal.

Parabéns para Resistência Azul Popular, Comando Rasta, Tribuna 77, torcida do Flamengo, entre outros…

Lucas de Moraes

A Semana do Preconceito

Semana de clássicos estaduais se aproximando, ingresso na mão, expectativa alta e… BICHA! PUTA! Assim podemos resumir o que foram os dias 8/03, Dia Internacional da Mulher, e 11/03 de 2018 no futebol.

Primeiramente, no clássico paulista, Palmeiras e São Paulo se enfrentavam no Allianz Parque. Nada de novo, bicha pra cá, Bambi pra lá. O que surpreendeu foi a atitude de William de Lucca e, principalmente, a repercussão dela.

William, homossexual e palmeirense, não necessariamente nesta ordem, estava na arquibancada palestrina quando, novamente, se depara com xingamentos homofóbicos ao rival. Indignado, provoca no Twitter, dizendo que também há viados palmeirenses, como ele.

O que se viu após isto foi uma enxurrada de matérias nos principais veículos nacionais e tão logo iniciou-se o ritual odioso da internet. William foi atacado de diversas formas, inclusive em uma matéria deplorável de Cosme Rímoli, da Record, que em uma tentativa de confrontar material jornalístico da Globo, “desmascarou” William com xingamentos homofóbicos por parte deste em sua conta no Twitter.

Só esqueceu de um detalhe, as publicações de William foram em 2010. 8 anos se passaram, o palestrino amadureceu e entrou na causa LGBT, lutando exatamente contra o que pronunciara.

Por fim, no domingo, Grenal no Beira-Rio. Primeiro, uma repórter é chamada de puta por um colorado por aparentemente ser gremista. A repórter saca seu celular e filma o agressor, pedindo para ele repetir o xingamento. Eis que o troglodita a agride fisicamente.

Ainda neste jogo, um grupo de mulheres, gremistas, que assistiam ao clássico em camarote no estádio são surpreendidas por um homem que, por mais de um minuto, as provoca com simulações de sexo oral.

Na semana do Dia Internacional da Mulher, casos de violência, abuso, desrespeito ocorrem contra elas. A internet busca defender os homens e os clubes ao passo que as discussões se tornam coadjuvantes do clubismo.

Os comportamentos se repetem torcida a torcida. Não se trata de clube, se trata de cidadãos. Seguimos imbecis.

José Eduardo

Em que mundo estamos?

O clássico entre Corinthians e Palmeiras, válido pelo campeonato paulista, no Itaquerão no dia 24/02 contou mais uma vez com algumas polêmicas. Apesar de dois pênaltis marcados para o Timão e a expulsão de Jaílson no primeiro deles, o maior debate pós-clássico foi sobre Jaílson e sua família. Maria Antônia e Laura, mãe e irmã de Jaílson, respectivamente, foram ao estádio apoiar seu time do coração. O debate se deu por causa do fato de elas torcerem para um grande rival do alviverde paulista.

Tudo começou com uma excelente reportagem feita pelo repórter da Globo Marco Aurélio de Souza sobre a reação da mãe do goleiro ao clássico. Quando começou a semana após o jogo, conselheiros palmeirenses insistiram em alguma punição ao goleiro, assim como alguns torcedores.

Fica aqui minha congratulação a Maurício Galiotte, atual presidente do Verdão, que garantiu não haver punição ao jogador e ainda defendeu o excelente atleta que ele é. Sobre os famosos conselheiros, resta-me apenas tristeza por acharem que o atleta deve ser punido por uma ação de sua mãe, percebendo ainda que, mesmo que sua mãe tivesse que ser julgada, não teria como avaliar a atitude como certa ou errada, pois o mundo não é feito de certos e errados. Parece, ás vezes, que a função dos conselheiros de time de futebol é causar polêmica e intriga dentro dos clubes.

Sobre a divulgação midiática do fato, é um grande exemplo de como é possível viver em paz no futebol. Pessoas que convivem diariamente se respeitando, apesar de torcerem para times rivais, é algo raro no cotidiano brasileiro. Cenas de violência são muito mais comuns nos estádios e na sociedade brasileira do que essas maravilhosas cenas de respeito. Mesmo assim, é triste ver esse tipo de discussão causada pelo ato dos conselheiros no cenário midiático. A situação deveria não ser comentada por ser algo completamente comum e rotineiro, o que não acontece no Brasil atualmente. Não é uma crítica à imprensa, mas sim a algo maior, que é a comunidade brasileira.

Fica a esperança de que, um dia, o que acontece dentro do campo tenha mais importância e visibilidade do que acontece fora dele. Sendo assim, aquela famosa frase “o futebol tá ficando chato” vai fazendo algum sentido, apesar de seus diversos usos errôneos.

 

Lucas de Moraes

Cadê o MBL no caso Robinho?

Após uma série de escândalos envolvendo o Movimento Brasil Livre (MBL) e seus políticos apadrinhados, o grupo mudou de foco, em 2017, e partiu para a moralidade civil. Entretanto, quando o assunto se torna sério demais, a ponto de um jogador ser  condenado por estupro, os jovens militantes dos bons costumes se calam.

A fim de desviar o foco da política, das tomadas de decisão absurdas de João Dória e casos de corrupção do seu principal apadrinhado, o Ilegítimo Temer, museus, teatros e palestras se tornaram os principais alvos do MBL.

Pensadoras feministas, artistas vítimas de abuso e performances nuas se tornaram apologia ao estupro, à indecência, à pedofilia, à imoralidade e um atentado ao pudor. Palavras vagas, carregadas de ódio contra quem usa a arte como expressão.

As medidas do MBL se mostram hipócritas quando traduzimos para a vida real o ódio que eles destilam. A omissão em casos concretos de violência contra a mulher contrastam com suas palavras.

Robinho, ex-jogador da Seleção, e atualmente no Atlético-MG foi condenado pela Justiça Italiana por estupro coletivo contra uma jovem albanesa. A moral deturpada dos militantes do MBL e seus seguidores condenam a mulher pelo ato, mesmo que não explicitamente.

A omissão de atitudes do grupo, bem como da direção do Clube Atlético Mineiro, revelam como a violência contra a mulher está tão intrínseca na sociedade a ponto de não haver revolta contra o jogador. Pelo contrário, ele é defendido ou mesmo o tema não é abordado. Não é mencionado por estes que agora se mostram defensores dos bons costumes.

A farsa envolvendo a militância da moralidade chega ao ponto de torcedoras do Galo serem criticadas por cobrarem atitude da diretoria do seu clube contra o jogador. Não é pelos bons costumes. É contra o pensamento. É contra a mulher.

A guerra que o MBL proclama se configura, como neste caso, não pela moral, mas a favor de que quem está no poder. A castração do pensamento livre, da arte, é mais uma faceta do fascismo, que está mais próximo a cada ato ou omissão de grupos influentes como este.

O “não-problema” do racismo no futebol

Por Vinicius Prado Januzzi

Cristóvão Borges, atual técnico do Flamengo, em entrevista recente à ESPN afirmou que há componentes racistas nas críticas que fazem ao seu trabalho.

Os torcedores vão dizer que não é nada disso, que o treinador não é de qualidade, não mexe bem no time, não escala bem a equipe, que é retranqueiro. Podem dizer que criticam a “pessoa” dele, por suas competências, por seus defeitos como profissional do futebol. Ninguém é bobo a ponto de não ver que as críticas a Cristóvão vão além. São atravessadas pelo racismo que tanto insistimos em afirmar que não existe no Brasil.

O principal motivo pelos quais o que diz o técnico deve ser encarado como algo socialmente relevante é simples. Se alguém se diz vítima de racismo e sofre isso no dia a dia e sofreu isso durante toda a carreira, só devemos ouvir, refletir e daí pensar em como agir. Não sou eu nem você quem devemos dizer que tipo de preconceito é ou não é mais intenso ou válido. Cristóvão encarou os leões e desafiou o nosso silêncio.

Trata-se, a bem da verdade, de um silêncio por demais barulhento.

Há um ano, Borges era o único treinador negro na Série A do Brasileirão. Hoje é acompanhado solitariamente por Roger, do tricolor gaúcho. 2 entre 20. Estatisticamente irrelevante, socialmente chocante.

Faça agora um breve esforço mental e tente se lembrar de profissionais negros no comando dos times brasileiros. Saindo da área técnica, quantos são os dirigentes negros no Brasil? Quantos são, afinal de contas, os profissionais negros em posições consideradas de maior prestígio no futebol?

São poucos, infinitamente poucos. Os negros no futebol são os jogadores, os massagistas e os roupeiros. Dificilmente os presidentes, diretores, fisioterapeutas e fisiologistas. Ocupam cargos relevantes sim, mas de menor impacto. De encontro ao que se vê nos comentários redes sociais e portais jornalísticos afora, a questão que devemos nos fazer é a seguinte: por que há tão poucos negros comandando o futebol brasileiro? E, sobretudo, por que isso é aceitável e quase nunca encarado como um problema?

Pois é um problema seríssimo, vivido também em outros países e em outros esportes, como mostrou reportagem da BBC em 2014. Não custa lembrar o episódio já quase esquecido em que Aranha, na época goleiro do Santos, foi insultado e cruelmente xingado durante uma partida da Copa do Brasil. O Grêmio, adversário do clube paulista na partida, foi excluído da competição, chegou-se a comentar aqui e ali algo mais e não passou disso. No mais, as coisas continuam como estão, sem que haja qualquer esforço coletivo para alterar profundamente esse cenário de longa data. Vira e mexe os jogadores entram com faixas em campo, pedindo “Não ao Racismo”, os locutores elogiam, que campanha bonita, que bonito de ver. E termina aí.

Poderia dizer que saímos todos derrotados. Não seria inverdade. No entanto, o buraco é mais embaixo, porque a situação não é simétrica. Sou branco e quando vejo essa situação, me sinto moralmente abalado. Meus privilégios continuam como estão. Não sou afetado cotidianamente por esse racismo tão escancarado que vivemos.

Os negros sim. São derrotados sem piedade por essa estrutura desigual e assassina. Diante de tudo isso, Cristóvão Borges, só me resta agradecer por fortalecer essa luta diária e cruciante tão necessária ao futebol que queremos.

Gente diferenciada

Por Vinicius Prado Januzzi

Dois tipos de rankings me causam ojeriza no recente futebol brasileiro. Ambos conferem veracidade à máxima já incontestável de que todo dia, gostemos ou não, é dia de um 7×1 diferente.

Perambulando noite afora por sites de notícias esportivas, os leitores já devem ter visto listas com os clubes que mais arrecadam em seus estádios e também aqueles que possuem mais sócios torcedores. Semana após semana, os pódios são atualizados, com os vencedores da vez, os Dicks Vigaristas do dia, os perdedores de sempre. Como diria a camiseta: Seven-One was little.

Nada contra tais informações. Nem a favor. Mostradas como são, não acrescentam absolutamente nada ao futebol. Aos dados estatísticos, pouco é comentado ou acrescentado. Os números são quase que jogados aos leões, usados para alimentar rivalidades antigas e atualizadas bisonhamente nas expressões: “minha arena arrecada mais que a sua”; “meu clube tem mais sócios que o seu”; “olha lá, que estádio/clube de merreca o seu, que nem arrecada”.

Que quer dizer um estádio que acumula milhões? Que afirmar de torcidas que pagam mais e lotam os confortáveis bancos de suas arenas à espera do cachorro quente no intervalo? Que fazer diante de clubes que aumentam aos milhares seu número de sócios ao longo de uma só semana, sem oferecer benefícios concretos ou coisas que realmente valham a pena? Quando falo que os rankings nada acrescentam é em relação a essas questões que me debruço. Afinal de contas, se os estádios estão cheios e ricos, quem é essa torcida que os ocupam? Se os sócios vêm aos montes, vêm pelo quê? Para pagar menos nos ingressos, para ter descontos em produtos oficiais ou para poder participar mais ativamente dos rumos do clube?

De nada interessam, portanto, números inflacionados. O retrato que eles pintam é infeliz. Estamos frequentando mais os estádios? Estamos. O outro lado da moeda é que pagamos mais, bem mais, eliminando das arquibancadas torcedores e torcedoras que não podem pagar por esses valores e mesmo não podem integrar planos de associação aos clubes. Por muitos motivos, o futebol das torcidas brasileiras está se transformando no das torcidas inglesas: lotado, gourmetizado, sentado e caro. Um público respeitável, de gente diferenciada.

Como o esporte consegue nos cegar?

José Eduardo

Em época de competições esportivas internacionais, o Brasil para e acompanha os atletas canarinhos com tamanha intensidade, como se fossem nossos conhecidos. Ignoramos ou desconhecemos o passado do atleta, suas atitudes políticas, financeiras e vibramos com suas vitórias.

Este texto não é uma crítica, mas uma reflexão de como podemos ficar cegos quando vemos nossa bandeira – a mais bonita, diga-se de passagem – e nos emocionamos ao ouvir nosso hino – o mais bonito, diga-se de passagem.

O exemplo que posso descrever mais claramente, é o da CBF. Uma instituição corrupta, cheia de falcatruas conhecidas por todos e que, mesmo assim, é capaz de gerar uma união no país como nenhum outro evento, esportivo ou político, consegue. Até os mais profundos entendendores de futebol, mesmo com suas críticas ferrenhas à Instituição, se rendem à camisa amarela.

Mas escrevo este texto pensando no Pan e, consequentemente, na Olimpíada que se avizinha. Dispondo de um arsenal de atletas militares, o exército aconselhou alguns atletas a prestar continência no pódio, como disse a judoca Mayra Aguiar em entrevista ao portal Terra. A continência é um ato político, disso não há dúvidas. Em época de instabilidade política no país, com a volta da ideia de extrema-direita da retomada da ditadura militar, a continência dos atletas em seu momento de glória, no topo do pódio, referencia a ideia de superioridade do Exército.

Mas, como havia dito, este texto não é uma crítica. Porque mesmo sabendo que aqueles atletas iriam totalmente contra meus ideais neste aspecto, torci para eles. E imagino que quase a totalidade dos brasileiros nem buscaram saber quais eram os ideais dos atletas. Porque isso pouco importa.

Imagino se Bolsonaro ou Eduardo Cunha estivessem disputando uma competição. Com certeza, estaria torcendo para eles. Estariam representando esta nação. E, na verdade, são completamente imbecis. Mas brasileiros.

E reflito: quero ver nossa nação bem representada no esporte. Mesmo que os governos não tenham feito investimento, dado apoio, ajudado a desenvolver o esporte. Mesmo que os patrocinadores só apoiem o atleta na vitória e o abandone na derrota. Mesmo que o esportista seja um corrupto, sonegador de impostos, apoiador da ditadura. Queremos nos emocionar. Coisas que só o esporte podem nos proporcionar.