O Vasco é o time da virada, não do racismo

1904. Primeiro presidente não branco dos clubes do Brasil. 1923. Abertura do clube para todos o brasileiros, independentemente de profissão, crença ou cor. Eram os camisas negras, negros e operários campeões cariocas no ano de estreia do clube na competição. Entra em rota de colisão com o quarteto poderoso à época (América, Botafogo, Flamengo e Fluminense). Juntamente com o Bangu, estabelece resistência contra o racismo. 1927. O maior estádio do país, à época, é fundado por torcedores de todas as origens. Este é o Vasco da Gama.

2018. Paulão, zagueiro, negro. Após péssimas atuações, o zagueiro é alvo da ira dos racistas que se escondem por trás de telas de computadores e do anonimato. Não são vascaínos. O vascaíno tem orgulho de sua origem, das três cores de seu uniforme, o branco, o vermelho e o negro.

Ao longo do tempo, a denominação ao seu rival, Mulambo, foi sendo expandida ao passo que seu significado foi se perdendo e caindo na ignorância. Mulambo é um termo que surgiu na Angola, referindo-se pejorativamente aos negros escravizados. No Brasil atual, adotou-se apenas como sinônimo de pobre. Qualquer seja o sentido, o termo Mulambo é ofensivo e esbarra na história bonita do clube cruz-maltino.

Seja Mulambo, seja o que ocorre com Paulão, o Vasco é único e deve combater, como sempre combateu o racismo. Sua torcida tem orgulho da história do clube e canta a plenos pulmões aquela que é a mais bonita das músicas de arquibancada do país, talvez do mundo. Deixo aqui este rito:

Eu vou torcer
Aqui eu ergui meu templo para vencer
Eu já lutei por negros e operários

Te enfrentei, venci, fiz São Januário
Camisas Negras que guardo na memória
Glória, lutas, vitórias esta é minha história

Que honra ser
saiba eu sou vascaíno, muito prazer
Jamais terás a Cruz, este é meu batismo
Eu tive que lutar contra o teu racismo
Veja como é grande meu sentimento
E por amor ergui este monumento

José Eduardo

A nova face do (anti)jornalismo esportivo – FOX Sports

Após nossa série de reportagens sobre a ESPN Brasil (partes I, II, III, IV e V), iniciamos a série de análises sobre outra emissora concorrente, a FOX Sports.

A FOX Sports, filial da emissora norte-americana de mesmo nome, iniciou as atividades no Brasil em 2012. À época, houve grande expectativa por parte dos espectadores, uma vez que o canal adquirira os direitos de transmissão da Libertadores.

A Rede Globo, em represália, dificultava o acesso do canal às redes de televisão a cabo, como NET e SKY. A expectativa sobre o canal aumentava à medida que jornalistas de outras emissoras eram contratados, especialmente os renegados. Era o caso de Renato Maurício Prado, José Ilan, Flávio Gomes, Mauro Beting, Marco De Vargas, João Guilherme, Victorino Chermont, PVC, entre outros.

A promessa de um canal semelhante à ESPN, trazendo programas de debate e direitos de transmissão de diversos torneios internacionais parecia agradar o espectador. Com o tempo, entretanto, os mesmos problemas mencionados acerca da ESPN tomaram conta do canal.

FOX Sports Rádio

Comecemos com o canal concorrente do Bate-Bola Debate, da ESPN, o FOX Sports Rádio é transmitido na hora do almoço e conta com uma linha editorial tão problemática quanto o Bate-Bola – ou talvez mais.

Com apresentação de Benjamin Back e quatro jornalistas na bancada, o programa promete debater os principais temas do futebol com descontração e seriedade. Na prática, o programa é um show de horrores. Gritaria, discussões pessoais, piadas preconceituosas, exageradas, pouca informação e muita opinião rasa.

Não raro ocorrem espetáculos grotescos de discursos preconceituosos. Recentemente, há dois casos que ficaram marcados no imaginário esportivo. O primeiro ocorreu com protagonismo do convidado Edilson Capetinha.

Na ocasião (confira o vídeo), o ex-jogador dizia não confiar no goleiro do Palmeiras, Jaílson, pelo fato de ser negro. De acordo com ele, goleiros negros são “frangueiros” e, quando perguntado sobre Dida, ele amenizava a cor do ex-arqueiro da Seleção.

A bancada de jornalistas se dividiu. Maurício Borges, o Mano, e Osvaldo Pascoal defendem o goleiro com argumentos futebolísticos. O restante da mesa se acaba em gargalhadas. Não há discussão sobre o racismo proliferado pelo jogador.

Outro caso recente ocorreu com Felippe Fracincani. Na discussão acerca de Júlio César, goleiro do Flamengo por ele ter saído do Benfica, de Portugal, e se mudado para o Rio de Janeiro para defender o Rubro-Negro, sem aviso à família.

Na ocasião, sua esposa Susana Werner expôs a situação em sua rede social e foi duramente criticada pelo jornalista da FOX Sports. A discussão que girava em torno da decisão de Júlio Cesar subitamente se votou a de Susana de expor a vida do casal.

Flávio Gomes, nesse caso, não ouviu as críticas sem que discutisse com o jornalista, uma vez que ele sentenciou a decisão de Werner como mais grave que de Júlio César. Gomes entendeu como atitude machista de Fracincani de absolver o erro do homem para criticar a esposa.

Este tipo de comportamento é corriqueiro no programa. Homofobia, machismo, falta de jornalismo e excesso de brincadeiras e “zoações”. Veja este vídeo, transmitido no programa e no próprio site da emissora, e perceba os xingamentos “rosinha”, “ela”, em clara manifestação depreciativa do universo feminino.

O preconceito não é exclusivo dos integrantes do FOX Sports Rádio. José Ilan, por duas vezes, se mostrou partidário do desrespeito. Em 2015, no programa Central FOX, Ilan foi flagrado xingando a equipe ao vivo após uma matéria chamada pela âncora Marina Ferrari não ir ao ar.

No final de 2017, Ilan novamente atacou, desta vez em sua rede social, com preconceito. À época, foi encontrada uma lata de Coca-Cola com um rato em seu interior. No período, havia uma campanha do refrigerante estampando Pabllo Vittar em sua marca. Ilan postou, então, uma foto de uma lata com a imagem da cantora e os dizeres “saudades Coca com rato”.

A atitude repugnante vai além do aspecto musical de Vittar. Entra no espectro homo/transfóbico uma vez que Pabllo é homossexual e se apresenta como drag queen e vem recebendo críticas tão somente por sua orientação sexual e forma de se caracterizar.

Caça-cliques

Outro aspecto criticável da emissora é referente a suas mídias sociais. Principalmente no Twitter, a conta da FOX Sports veicula manchetes sensacionalistas, exageradas e incompletas a fim de que o internauta acesse o site da emissora. Muitas das vezes, o jogo de palavras engana o  espectador que, ao entrar na matéria, percebe que foi enganado. Veja o caso abaixo:

Talisca

Página O Anti-Clique, especialista em buscar chamadas caça-clique, ironiza chamada de FOX Sports.

A chamada é típica caça-cliques. Ao ler o título, imagina-se que Talisca mudará de equipe, uma vez que determinado clube europeu “gastará bolada” para comprá-lo. Ao entrarmos na matéria, percebemos que o clube em que joga – Besiktas – exerceu poder de compra do jogador, que permanecerá na Turquia.

É bem verdade que em momento algum houve mentira e falta de informação na chamada. Entretanto, a forma como é escrita dá a entender que o fato é outro. O Anti-Clique, inclusive, foi bloqueado da conta oficial do FOX Sports a fim de este tentar impedir o trabalho da equipe dO Anti-Clique.

Pontos Positivos

Apesar da falta de jornalismo e excesso de mercantilismo, há pontos positivos no canal. A equipe de setoristas é extensa e cobre com precisão e afinco clubes pelo Brasil, principalmente aqueles que disputam competições sul-americanas, cuja emissora detém os direitos de transmissão.

Outro ponto positivo é a cobertura dos esportes automotores. Os programas Nitro e a equipe de transmissão da Nascar, Weathertech e Fórmula E é muito bem preparada e entende bastante do esporte.

A transmissão de jogos brasileiros na Libertadores também merece destaque. A parcialidade declarada para as equipes brasileiras frente aos estrangeiros é moderada, bem feita e respeitosa, de forma que o torcedor nacional se sente acolhido pela transmissão.

Por fim, destaco Flávio Gomes. Apesar de ser mais um personagem no Fox Sports Rádio, Flávio faz trabalho de combate a discriminações no programa, por mais que falte efetivo jornalismo em seu programa. Em sua conta de Twitter e no Grande Prêmio, sua luta contra a discriminação é mais forte, bem como seu trabalho jornalístico, o que dá a entender que a linha editorial do programa o impede de ser mais profissional.

José Eduardo

Cruzeiro, não fez mais que sua obrigação.

O Cruzeiro estava prestes a realizar mais uma contratação no ano mas voltou atrás, provavelmente em razão da pressão feita pela torcida celeste. Quem seria contratado é o atacante Juninho, revelação do Sport de apenas 19 anos. Seria o maior erro da diretoria cruzeirense em 2018.

Não pretendo discutir se o jogador é bom tecnicamente, se ele se encaixaria no esquema tático do Cruzeiro ou se teria espaço no talentoso elenco celeste. Juninho, inclusive, já se mostrou um bom atacante pelas partidas que realizou com a camisa rubro-negra.

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Juninho publicou imagem em seu Instagram com legenda indicando sua trasnferência ao Cruzeiro.

Mas o problema não está com o que ele tem a mostrar com a bola nos pés. Juninho é conhecido por problemas extracampo. Em 2016, perdeu espaço no time titular por excesso de confiança. Em 2017, se negou a disputar a final do Pernambucano. Em 2018, se reapresentou no Sport com 5kg acima do peso. O treinador Nelsinho Baptista o afastou.

O mais grave das atitudes extracampo de Juninho, porém, aconteceu em outubro de 2017. O atacante foi detido por agredir a ex-noiva em Recife. A mulher conta ter sofrido, do jogador, socos no estômago e ameaças com uma faca. Juninho pagou a fiança e foi solto.

Chega a ser assustador um clube como o Cruzeiro, que realizou importantes campanhas denunciando a violência contra a mulher, se aproximar de contratar esse jogador. Uma das ações do clube mineiro, inclusive, foi premiada no festival mais importante de Publicidade do mundo. Mas as ações do clube não parecem refletir a mensagem da campanha.

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Publicidade realizada em 2017 estampava na camisa celeste dados sobre a violência contra a mulher.

O fato do Cruzeiro ter se aproximado do acerto com o atacante escancara a conivência que os times de futebol têm em relação à agressão contra a mulher. O atacante Robinho, em novembro de 2017, foi condenado a nove anos de prisão por violência sexual, que ocorreu em 2013. Estupro mesmo. Em 2009, ele já havia sido acusado de cometer o mesmo crime, na época em que atuava pelo Manchester City.

Mesmo depois da condenação de Robinho, muitos clubes brasileiros e estrangeiros ainda foram atrás da contratação dele. Não restam dúvidas de que é um grande jogador, mas é um criminoso. E isso parece ser desconsiderado por boa parte dos dirigentes de futebol.

O esporte mais popular do Brasil está passando por mudanças e isso não podemos negar. Há quem esbraveje contra o futebol moderno, o escanteio curto e a proibição de faixas e sinalizadores nos estádios. São todas pautas válidas. Mas não devemos usar esses discursos para maquiar atitudes homofóbicas, machistas ou racistas. Nem aceitar que agressores continuem jogando impunes.

 

João Miguel

Grita Torcedor: Times “pequenos”

O que define o tamanho de um clube? Títulos, estrutura, jogadores, história? É um assunto que cada vez vem mais a tona no futebol brasileiro. Clubes antes considerados grandes hoje em dia já não são considerados por muitos jornalistas ou “entendedores” de futebol. Mas e aqueles times que sempre foram considerados pequenos o que são hoje?

Para a grande mídia, eles nem deveriam existir e seus campeonatos regionais deveriam acabar ou serem diminuídos porque é um absurdo, na visão deles, que os chamados times grandes se misturarem com os pequenos.

Mas o que a maioria dos profissionais do jornalismo esportivo não percebe é que na verdade são os clubes grandes que atrapalham os pequenos, sim não se assuste com isso eu explico.

Claro, cada estado tem sua particularidade e eu posso falar por meu estado São Paulo, sempre morei no interior mais precisamente em São José dos Campos. E a realidade do estado de São Paulo hoje, é a seguinte: a FPF tem em suas competições no ano de 2018 o número de 92 equipes divididas em quatro divisões.

Para você que consome o futebol de elite do Brasil e pouco sabe sobre as divisões inferiores, já deve ter ouvido várias vezes que apenas quatro times são importantes (Corinthians, Palmeiras, Santos e São Paulo). Isso é um absurdo tão grande para nós, torcedores das 88 equipes restantes, e essa mensagem é repetida tantas vezes que você deve concordar com ela sem mesmo conhecer a realidade do futebol em São Paulo.

Agora imagine essas 88 equipes jogando um campeonato ou divisões, você acha que seria um campeonato fraco por não contar com as quatro equipes grandes de São Paulo? Sinto informar, mas isso não é verdade, dentre essas equipes existem atrativos como tradição e a rivalidade entre cidades ou até mesmo dentro do seu município, sem falar no mercado que isso move nas cidades do interior.

Existem várias rivalidades vou citar algumas apenas para ilustrar meu texto São José x Taubaté (Vale do Paraíba), Comercial X Botafogo (Ribeirão Preto), Marília x Noroeste (Marília e Bauru), Velo Clube x Rio Claro (Rio Claro), Rio Branco x União Agrícola (Americana x Santa Barbara do Oeste) e o maior deles pra mim Guarani x Ponte Preta (Campinas).

Esses clássicos pelo formato atual dos campeonatos paulistas às vezes ficam anos sem acontecer e esse pra mim é o maior mal que os clubes grandes fazem aos pequenos de SP, outro fato é a tradição, por exemplo, quando um time como Guarani campeão brasileiro vai jogar em uma cidade menor ele sim é uma atração por mais que não possua jogadores de alto nível.

Não vou entrar no mérito financeiro porque até nisso acredito que os clubes menores poderiam ganhar mais e vou dar um exemplo em 2001 existiu um campeonato chamado copa Coca-Cola apenas com equipes pequenas e que empresa não gostaria de ter seu nome vinculado a um campeonato que mobilizaria tantas cidades importantes em SP.

Esse texto é apenas uma introdução a essa tese que deve, sim, ser mais discutida e não é. Por motivos óbvios, os clubes de SP ganham bem para jogar o Paulistão então deixam do jeito que está.

Além deles, os dirigentes dos clubes pequenos, que sabem do seu potencial, preferem manter o quadro atual, pois podem muitas vezes lucrar com isso. Caso claro são as inversões de mando de jogos que os presidentes dos clubes pequenos abrem mão de um título em troco de um dinheiro a mais e com isso continuar com o processo de elitização do futebol brasileiro.

André Donizetti, 28 anos, Auxiliar administrativo, torcedor São José / São Paulo, amante do futebol e apoiador do futebol para o povo

 

 

Lugar de manifestação política é onde houver vida

No dia 17 de março, a Patrocinense enfrentou o Cruzeiro no Mineirão pelas quartas de final do Campeonato Mineiro de 2018. O Cruzeiro venceu e se qualificou para a semi contra o Tupi. Entretanto o assunto de hoje não é o futebol e o esporte em si, mas sim ações feitas nos estádios contra a liberdade de expressão. A torcida organizada “Comando Rasta” do time celeste levou uma faixa em homenagem à Marielle Franco, vereadora do Rio de Janeiro morta no dia 14 de março. Era uma grande defensora dos direitos humanos.

Coronel Teatini, um funcionário da administradora do Mineirão “Minas Arena”, ordenou a retirada da faixa. Um torcedor conversou com ele para tentar entender o motivo e fica claro que a retirada foi feita simplesmente porque Teatini não concorda com as posições políticas relacionadas à repercussão do caso Marielle.

Coronel e Leifert, o Mineirão, assim como todos outros espaços públicos, são lugares de manifestações políticas. Até mesmo os espaços privados, dependendo das circunstâncias, são passíveis de receber manifestações. Fora que uma bandeira homenageando alguém não necessariamente é uma manifestação política. Os simples dizeres “#MariellePresente” não mostram posição política nem partidarismo.

Se pensarmos que só é possível transmitir mensagens referentes ao nosso posicionamento e pensamento, acabando assim com um fator importante para a democracia, o debate, é melhor assumirmos de vez uma ditadura onde não há espaço para divergências. Da mesma forma que alguém pode expor sua opinião, todas as outras podem, lembrando que de uma forma respeitosa e sem conter quaisquer tipos de preconceito e discriminação. Portanto, é um absurdo pensar que manifestação política só é válida e legítima se for do mesmo ponto de vista que o nosso.

Em outro ponto, a Constituição Brasileira assegura a liberdade de expressão. Já no estatuto do torcedor, não há um ponto específico sobre isso, mas não é vetado no artigo 13.

Fatos como o que ocorreu no Mineirão são recorrentes no universo do futebol. Uma bandeira da torcida do Flamengo com outra homenagem à Marielle sumiu no Engenhão no dia 22, enquanto outra faixa da Tribuna 77, organizada do Grêmio, foi retirada pela polícia no clássico Grenal do dia 18 por ser manifestação política.

Difícil entender como uma manifestação feita para homenagear uma morte causa tanta repercussão e essa reação dura, enquanto manifestações racistas, homofóbicas e machistas nem sempre são combatidas e punidas. No caso em Minas, a Minas Arena soltou uma nota explicando que há um processo prévio para análise e liberação de bandeiras, o que foi contraposto na fala de Teatini.

Infelizmente, repressões políticas dentro do esporte acontecem, como por exemplo o caso Keapernick, jogador de futebol americano que ajoelhou durante o hino dos Estados Unidos para protestar contra a violência policial sofrida pelos negros no país da NFL.

O caso Keapernick é complexo e discutível. Será que a maneira que ele escolheu para protestar é a melhor forma de protesto? Não sabemos e não cabe a nós julgar. Posicionar-se no mundo de hoje é algo para poucos e passível de consequências. Keapernick escolheu lutar. Isso não deve menosprezar a luta política em ambientes esportivos. A luta nunca foi fácil e algumas pessoas não conseguem ficar caladas ao ver o que acontece no mundo.

A comparação de Leifert entre espaço esportivo e Netflix é surreal, tendo em vista que o segundo é um espaço virtual, onde não há pessoas mostrando suas caras. Portanto, o protesto não é claro lá. Apesar disso, o protesto pode vir de maneira ideológica em filmes, séries, produtos audiovisuais, onde o autor escolhe mostrar algo de forma crítica. Então é possível ter alguma forma de protesto sim na Netflix.

Então, Leifert, o mundo está cheio de pessoas. E sim, elas tem o direito de protestarem de forma pacífica onde bem acharem que é o espaço para tal.

Parabéns para Resistência Azul Popular, Comando Rasta, Tribuna 77, torcida do Flamengo, entre outros…

Lucas de Moraes

A nova face do (anti)jornalismo esportivo – ESPN Brasil V

Finalizamos as reportagens sobre a ESPN abordando o trabalho de excelentes jornalistas limitados à nova linha editorial da emissora e explorando a diferença de cobertura entre o futebol masculino e outros esportes.

Veja também as outras partes da análise I, II, III, IV e V

O diferencial ESPN: a qualidade de seus jornalistas

Por mais que a linha editorial do canal tenha mudado drasticamente, dando ênfase à programação ao vivo e ao lado humorístico, deixando de lado a seriedade e investigação, ainda é notória a qualidade de seus profissionais.

Algo que não mudou, felizmente, foi a participação dos correspondentes, João Castelo Branco e Natalie Gedra. Praticamente sozinhos, os profissionais conseguem entrevistas exclusivas, entradas ao vivo, matérias espetaculares sobre o futebol europeu, mais precisamente o inglês.

Por meio de sua conta no Twitter, João mostra os bastidores de seu trabalho e como faz, só, a filmagem, reportagem e edição de suas matérias que vão ao ar aqui no Brasil. É um prazer vê-lo trabalhar e um ânimo a nós jornalistas.

Outros profissionais se destacam pelo seu conhecimento em diferentes esportes. É o caso de Gustavo Hofman e André Kfouri. Os dois, além de saberem tudo e mais um pouco de futebol, ainda são peritos no basquete.

Há também aqueles que possuem conhecimento em diferentes áreas do próprio futebol. Dentre eles destacam-se Antero Greco, sobre o italiano, Leonardo Bertozzi, sobre Itália e Minas Gerais, Juliana Cabral sobre o esporte feminino além de Hofman sobre o russo, entre outros.

O trabalho de Sálvio Spinola e Zé Elias, ex-árbitro e jogador, respectivamente, também merecem destaque por sua fluidez e objetividade enquanto comentaristas. Possuem boa oratória, vivência no esporte e, de fato, contribuem para as análises, sem corporativismo e amadorismo.

As equipes de transmissão e telejornalismo também são impecáveis. Paulo Andrade, Mauro Cezar Pereira, Paulo Soares e Antero Greco, Gerd Wenzel, Rogério Vaughan, entre outros excelentes profissionais que sabem dosar emoção, informação e humor no trabalho.

A emissora peca, porém, em dar pouco espaço para que os profissionais exerçam sua plena capacidade. Gabi Moreira e Débora Gares, excelentes repórteres, cobrem mais o dia-a-dia dos clubes cariocas que denúncias. Gabi foi responsável por uma excelente reportagem acerca dos drones no futebol.

Cabe à emissora dar mais enfoque nas matérias investigativas da dupla, principalmente no Rio de Janeiro, sede da CBF e COB. Potencial há, resta saber manipular a linha editorial e a grade horária.

Outros esportes

Quando se trata de outros esportes, a ESPN é referência. Principalmente sobre esportes americanos. Basebol, basquete, surfe, tênis, futebol americano e rúgbi são esportes cobertos com maestria pelo canal.

Como os seis esportes citados demandam muito tempo de jogo e muito tempo de intervalo ou paradas de jogo, é importante que a equipe esteja apta a dar informações e entreter o público ao longo das partidas.

Com bom humor, informações de bastidores e análises técnicas precisas, as equipes destes esportes conseguem administrar a transmissão das partidas e os programas que tratem do assunto.

É desta forma que se mantém a qualidade dos programas ESPN League e Pelas Quadras e as participações dos comentaristas no SportsCenter. E é neste formato que a equipe de futebol do canal deve se espelhar.

Sem tanto espaço na programação como o futebol, os outros espaços possuem cobertura suficiente para trazer informações e entretenimento na medida certa, sem espaço para repetições de temas e excesso de comparações esdrúxulas e humor desnecessário.

Enquanto há esportes que mereciam mais tempo de programação, incluindo o futebol feminino, o futebol masculino se espalha durante o dia, repetindo assuntos e obrigando a emissora a diminuir drasticamente a qualidade dos programas.

A solução parece simples e lógica: abordar mais esportes e mais aspectos do futebol -masculino e feminino -, aprofundar nas denúncias que tanto consagraram o canal e explorar ao máximo o potencial de seus excelentes profissionais. Tanto eles como nós merecemos.

José Eduardo

A nova face do (anti)jornalismo esportivo – ESPN Brasil IV

Nesta edição, continuamos nossa análise sobre a ESPN. Abordamos a predileção da emissora por Rio-São Paulo e a ignorância e desproporcionalidade referentes à cobertura das equipes do restante do país.

Veja também as outras partes da análise I, II, III, IV e V

Centrada no bairro de Sumaré, cidade de São Paulo, a ESPN possui apenas uma sucursal, no Rio de Janeiro. Com equipe de profissionais limitada e sem setoristas nos outros estados, a emissora foca suas atividades principalmente na capital paulista.

Na cidade, Corinthians, São Paulo e Palmeiras contam com setoristas que cobrem o dia-a-dia das equipes, com entradas ao vivo, reportagens e bastidores em todos os telejornais da emissora. Santos, Flamengo, Fluminense, Botafogo e Vasco ficam em segundo plano mas também contam com setoristas esporádicos e, ao menos uma vez ao dia, são assuntos no canal.

A predileção por Rio-São Paulo, entretanto, vai além da localização das sedes da empresa. Debates, especulações e comparações são feitas quase exclusivamente referentes a esses clubes, em especial o trio Palmeiras, Corinthians e Flamengo.

O fato se explica pelo fator audiência. Como têm as maiores torcidas do Brasil, Flamengo e Corinthians possuem torcida em todo o território nacional, explicando-se, dessa forma, a predileção por estes clubes. O Palmeiras, com enorme torcida pelo estado de São Paulo e, consequentemente, rival do Corinthians, também ganha destaque no canal.

São Paulo, Santos, Botafogo, Vasco e Fluminense se configuram figurantes nessa corrida por espaço no canal. E aqui cabe a primeira crítica aos programas do telejornal. Apesar de terem torcidas nacionais, o quinteto é protagonista apenas quando apetece ao torcedor o trio de ferro (Flamengo, Corinthians e Palmeiras). Crises, derrotas, rebaixamento são o principal motivo de matérias acerca dos clubes.

De fato, esta predileção pelo trio de ferro não é exclusividade da ESPN. Globo, Band, Fox Sports, entre outras mídias também adotam esta fórmula. Entretanto, à ESPN, tão crítica do modelo mercantil do jornalismo esportivo, cabia liderar a mudança.

Fosse a predileção por pautas clubísticas o único problema, estaria terminado este texto. Entretanto, o Brasil não é composto por duas federações. Há outros 14 estados com, pelo menos, uma equipe nas três primeiras divisões nacionais.

Minas Gerais e Rio Grande do Sul, somados, possuem clubes que ultrapassam 20 milhões de torcedores. Bahia, Santa Catarina, Paraná e Pernambuco possuem campeões nacionais. Goiás, Pará, Maranhão campeões da série B. Rio Grande do Norte e Alagoas, série C. Ceará e Paraíba, série D. Para ficarmos nos principais títulos nacionais.

A relevância do esporte nacional é inevitável. A forte presença de Bahia, Cruzeiro, Atlético-MG, Internacional e Grêmio motivou a criação da Taça Brasil em 1959, vencida pelo Tricolor de Aço. Não houvesse relevância destes clubes, o torneio Rio-São Paulo não teria sido extinto.

Juntos, os clubes fora Rio-São Paulo detém 2 Mundiais, 9 Libertadores, 15 campeonatos brasileiros, os dois maiores campeões da Copa do Brasil e outros 15 títulos da competição e uma imensidão de culturas que fortalecem o país.

Sem equipe de trabalho fora Rio-São Paulo, a ESPN ignora o dia-a-dia das equipes fora do eixo tanto em reportagens, por falta de logística, quanto por falta de interesse em sua grade de programação. São oito programas ao vivo diários, mais três semanais, e apenas o Bate-Bola da manhã se limita a tratar do futebol nacional como um todo. Ainda assim, deixa claro que há “programação Nordeste”, como “Bola da Vez Nordeste”, sem perceber no desequilíbrio que é haver um programa nordestino enquanto os outros sete, ditos nacionais, falam exclusivamente de Rio-São Paulo.

Inclusive, o Linha de Passe, principal programa da emissora, possui desequilíbrio enorme nas pautas abordadas. Dificilmente um clube fora o eixo Rio-São Paulo-Minas-Sul é mencionado, analisado. Quando muito, tal equipe é citada apenas quando joga contra Corinthians ou Flamengo ou quando um jogador é a eles especulado.

É bem verdade que, com a criação da programação Nordeste, a cobertura sobre os clubes da região aumentou. Mas ainda não é suficiente. É um oitavo da programação. Minas, Goiás e Sul continuam à mercê de boas campanhas para se tornarem notícia. Mesmo havendo profissionais que entendem da área, como Leonardo Bertozzi, a linha editorial não permite que os clubes mineiros sejam abordados com profundidade.

Assim como o excesso de humor, o bairrismo é proposital. O jornalismo é mercantil na ESPN. Um fato é relevante apenas se houver audiência e, portanto, dinheiro envolvido. É por isso que outros esportes, bem como o futebol feminino, são ignorados. Aqui entra a grande questão do jornalismo: o público se interessa porque um fato é relevante ou um fato é relevante porque o público se interessa? Nesta ESPN apenas a segunda vertente é aceita.

Na próxima edição, finalizamos a cobertura da ESPN, comparando os programas sobre futebol com os de outros esportes na emissora e analisando o trabalho de competentes repórteres que devem seguir à risca a nova programação.